A vida na Big Pink, a casa onde as fitas do porão foram gravadas de forma amadora, era simples: Richard Manuel cozinhava, Rick Danko levava o lixo pra fora e cuidava da lareira e Garth Hudson lavava os pratos. Tudo isto a $125 por mês.
A vida na Big Pink, a casa onde as fitas do porão foram gravadas de forma amadora, era simples: Richard Manuel cozinhava, Rick Danko levava o lixo pra fora e cuidava da lareira e Garth Hudson lavava os pratos. Tudo isto a $125 por mês. | ||
Robbie Robertson morava em Glasco Turnpike com sua namorada Dominique, e Bob Dylan aparecia lá na casa rosada pelo meio-dia para tocar junto com todos. A sessão acabava por volta de 16h30, 17h. | ||
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Levon Helm, que havia deixado a trupe antes da turnê europeia, recebeu o chamado e aceitou retornar às baquetas. Richard Manuel havia assumido o seu lugar, o que obrigou Lee a se dedicar com mais seriedade ao mandolim. Em sua biografia, um Levon comovido engrandece ainda mais Manuel: “Quando cheguei a Woodstock, eles estavam trabalhando em ‘Yazoo Street Scandal’. Richard estava tocando bateria. Era a primeira vez que eu o ouvia, e eu estava maravilhado. Era como uma força, e ele imediatamente se tornou o meu baterista favorito”. | ||
No total, os músicos de The Band tocavam 17 instrumentos. Um cão, que pertenceu a Dylan mas foi doado a Rick, era o termômetro dessas sessões clandestinas: quando não gostava da música, corria para fora. Seu nome era Hamlet. | ||
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Ou seja, a principal testemunha do que acontecia no porão de Big Pink possuía pêlos, latia e era homônimo do personagem mais célebre de William Shakespeare. Além de ser bastante fedido (tão fedido que Robbie precisava abrir a janela do carro quando dava carona a Dylan & Hamlet). Convenhamos, esta história fica melhor a cada informação. | ||
A ideia inicial dessas jam sessions era apenas exercitar os músculos dos nossos músicos prediletos, entretanto logo isso evoluiu para a criação de canções que poderiam ser dadas a outros artistas gravarem. Bob trazia o seu violão Martin e uma máquina de escrever. Ele disputava ferrenhas batalhas no tabuleiro de xadrez contra Rick, aparentemente sem sucesso. | ||
Robbie relata em sua biografia, Testimony (ainda sem tradução para o português), a preocupação de Bob com os fãs, que já o chateavam na distante Woodstock, ao passo que parecia distante do seu tempo maníaco pré-acidente, bastante em paz e relaxado com o tradicional papel de pai e provedor da família que construía com a esposa Sara. | ||
Para Levon Helm, a canção “Ain’t No More Cane” foi o divisor de águas, com o arranjo soul de vozes, empilhando uma em cima da outra para a criação de momentos mágicos quando a harmonia vocal se unia aos instrumentos: “nós descobrimos o nosso som”. | ||
Já para Richard Manuel, este momento veio após Dylan lhe dar a letra de “Tears of Rage” e ordenar: “Veja se consegue fazer algo com isto”. E isto se tornou uma das canções mais fortes do repertório tanto de The Band quanto de Dylan. | ||
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Do ponto de vista tecnológico, eram justo as condições precárias de gravação que a tornaram históricas: com medo de acabar a fita, eles gravavam em baixa velocidade, sacrificando a qualidade em prol da quantidade. Felizmente para nós, isto imprimiu, nas palavras de Robbie, um som “extremamente lo-fi, reminiscente do que o seu subconsciente pode soar como se viesse dum rádio antigo” às seis horas e meia de música. Que pode soar imemorial, livre, enigmática e divertida. | ||
Destaco quatro obras-primas que ficaram de fora do álbum oficial de 1975 e apareceram em The Bootleg Series Vol. 11: The Basement Tapes Raw (2014): “Sign On The Cross”, “I’m a Teenage Prayer”, “I’m Alright” e “I’m Not There”. | ||
Enquanto o “Verão do Amor” chacoalhava a sociedade lá fora, estes seis devotos da música folk, sem drogas nem grandes quantidades de álcool, seis vezes por semana, inventavam uma outra América. Ou apenas alcançavam uma estranha magia alquímica num porão deslocado do tempo banal dos relógios e dos calendários. | ||
Um resgate, ou melhor, um desdobramento desse invisível deslocamento nas placas tectônicas da história da música se deu com o projeto liderado por Elvis Costello a partir de letras e rascunhos deixados por Dylan. O resultado está em Lost on the River: The New Basement Tapes (2014), do supergrupo composto por Jim James (My Morning Jacket), Marcus Mumford (Mumford & Sons), Taylor Goldsmith (Dawes) e Rhiannon Giddens, além do próprio Costello (que também fez as vezes de produtor). | ||
Rick Danko no fim da vida ainda exaltava esse breve período: “Os dias das Basement Tapes foram excelentes, maravilhosos. Todos deveriam ter dias como aquele”. E agora você tem mais de seis horas para explorar. | ||
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Este é um dos capítulos da discografia comentada que escrevi sobre o Bob Dylan, postado aqui de forma integral para você que assina esta newsletter. Amanhã trarei uma entrevista a respeito de Richard Manuel. Até lá! |