Vamos manter isso entre nós?
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Vamos manter isso entre nós?

No fim do ano de 1980, Bob Dylan estava no palco em Portland, Oregon, para o último concerto de sua turnê. Era o período evangélico, de pregação religiosa inflamada. Antes de tocar "Let's Keep It Between Us", Bob disse à plateia: "tocamos ess...

Gab Piumbato
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No fim do ano de 1980, Bob Dylan estava no palco em Portland, Oregon, para o último concerto de sua turnê. Era o período evangélico, de pregação religiosa inflamada. Antes de tocar "Let's Keep It Between Us", Bob disse à plateia: "tocamos essa canção ontem e um jornalista disse que era "Maggie's Farm". Estou aqui para dizer a vocês: esta não é "Maggie's Farm".

Então, o que é esta canção, de acordes complexos? Você pode notar a sofisticação dessa cadência harmônica logo na introdução, que remete para aquele movimento no baixo dos acordes da harrissoniana "Something", com acordes de sétima maior, depois menor com baixo cromático descendente. Esse movimento dentro do campo harmônico menor de Dó se dá na passagem da tônica para o sexto grau, depois para o terceiro e enfim para o quarto menor. Não são acordes nem sequências que escutamos todos os dias. Melhor do que ler a descrição, é ouvir a canção em todo o seu esplendor:

Segundo Clinton Heylin, "Let's Keep It Between Us" se refere à conturbada relação com Clydie King, uma das backing vocals de Bob Dylan, simbolizando um relacionamento interracial, com os problemas decorrentes de aceitação externa. Ela era o esteio espiritual, uma figura materna cuja voz nos discos e nos palcos casava à perfeição com a aspereza roufenha de Bob.

"Ela foi a minha melhor parceira no canto. Ninguém chegou perto dela, éramos duas almas gêmeas"
"Ela foi a minha melhor parceira no canto. Ninguém chegou perto dela, éramos duas almas gêmeas"

Você também está mesmerizado com os outtakes da década de 80 presentes em Springtime in New York, o bootleg mais recente, lançado neste mês? Esta canção tem andado no repeat há dias por aqui. Tudo bem, é apenas um ensaio, parece que poderia haver um trabalho melhor da guitarrra ocupando a cama do teclado com licks mais interessantes e as backing vocals poderiam adicionar fervor no refrão. Mas como diz a própria letra, "I know we're not perfect / But then again, so what?".

É pena que esta canção tenha sido relegada a um ensaio e a menos de 30 apresentações ao vivo. Agora, após a fase Sinatra, e com todo o conhecimento musical adquirido no American Songbook, é possível imaginar Dylan se reapropriando dessa canção, gastando os dedos nas teclas pretas do piano, nas extensões dos acordes, quem sabe até tocando um solo de gaita. 

Clydie King merecia isto, não?

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Estou escrevendo um texto por dia para esta newsletter no mês de setembro. Este é o vigésimo-sexto.

Sou autor da melhor discografia comentada de Bob Dylan em português. Até amanhã!