Dando com a língua nos dentes.
6
1

Dando com a língua nos dentes.

Abaporu persegue a gente né, e como tu ama sabre de fofoca e curiosidades inusitadas, senta que lá vem uma (s).

G. C. Pedrosa
6 min
6
1

O texto de hoje é uma carta

Sem muita conversa, porque vocês devem estar curiosos...


Edição nº 02 - Não importa o que os jornais estão dizendo.

Esse teu jeito de, no meio de uma conversa ou de um silêncio, jogar algo como “vacas mastigam como se mascassem chiclete…” ou “girafas não têm cordas vocais ...”, acho engraçado, porque eu fazia muito isso.

Como o professor de matemática do ensino médio já me conhecia, ele parava a aula para perguntar se eu tinha alguma coisa nova para contar para turma - óbvio que o que ele queria dizer com "nova" era qualquer informação que não desse nem 0,002% de contribuição para achar os valores de X e Y, que com certeza esperavam respostas que não envolvessem uma explicação da expressão popular "casa de mãe Joana".  

Lembra quando ia ser dada "A grande notícia", o motivo de noites mal dormidas para muitos brasileiros (e nós ainda não tínhamos nem ideia de quantas notas de repúdio nos desesperaria pós-eleições 2018), e o JN dava um intervalo para o espectador apreciar em poucos minutinhos o que nossa terra tinha de melhor? Não lembra? A gente mostra:

Quando eu interrompia uma aula de exatas para contar a história da rainha de Nápoles que fugiu para França e passou a colocar ordem nos bordéis de lá, eu percebia na sala uma quebra de expectativa parecida com a que se sente quando se está assistindo ao jornal, no aguardo para mais uma tragédia anunciada pela voz aveludada de William Bonner, para logo depois você ser lembrado que ainda nem tudo foi queimado nesse país. "E o mundo é grande demais... pátria é colo de mãe, gosto de um bom café... Minas é o mundo, o mundo da gente" (quem leu esse último trecho cantando sabe bem do que eu tô falando, haha).

Na sala de aula, olhando para o caderno e o quadro, eu via aquela mistura de números e letras que faziam subir em mim uma vontade de sair correndo pelos corredores do colégio sem sair de fato daquele microcosmos kafkaniano, e ao mesmo tempo redentor de alguma forma, tanto quanto me bate hoje a vontade de pegar um carro e sair viajando por esse país tentando sair dele dando voltas por ele sem achar outra saida.

Assumindo o posto de "curiosa profissional", formada pela "Escola da Revista SUPERINTERESSANTE", quando eu dava meu "plantão fofoca", no meio de explicações sobre ângulos opostos pelo vértice e logaritmos, me sentia essa heroína aqui, salvando a mim e meus colegas, assim como, naquela época, a cozinheira do "Alimente-se Bem" e os comerciais de regiões turísticas salvavam a sanidade mental das pessoas que assistiam ao noticiário brasileiro:


Plantão fofoca

  • Sabia que em “Abaporu: Uma Obra de Amor ...”, Tarsilinha, sobrinha da pintora Tarsila do Amaral, inclusa que a pintura poderia ser um autorretrato da tia, provavelmente nua, feita de presente para o marido? Na casa em que um modernista morava com Oswald de Andrade havia um espelho bem grande inclinado no corredor que dava para o quarto-ateliê da sua tia:

"Tarsila deve ter gastado muito tempo se observando. Horas, talvez. O pé imenso? A cabeça, minúscula? A boca e os olhos quase sumindo, a mão caída ao lado do pé grande? Que figura diferente!", Prossegue. "Aquela imagem lhe parecia provocativa, ousada, perfeita, bem-humorada. Ficou gravada em sua retina, grudada em seu pensamento. Tornou-se uma insistente obsessão."

(Veja mais em https: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/bbc/2019/04/03/abaporu-a-historia-do-quadro-mais-valioso-da-arte-brasileira-que- voltara-a-ser-exposto-no-pais.htm) 

Não, não vou te mandar uma nude imitando Tarsila, supostamente arreganhada. Mas segue abaixo algumas passagens sobre uma parte do corpo humano tão bem retratada na literatura brasileira, o cu:

Curadoria minha

cada poema

escolhido

um dedo

por mim

Poema de Bruna Kalil Othero. 
Poema de Bruna Kalil Othero. 
Poema de Dimitri BR.
Poema de Dimitri BR.
<br>


CURIOSIDADES 


A linguagem é uma mutilação, e vice-versa."

Emily Dickison.  

—Há muitas teorias, mas até hoje nenhuma delas esclareceu o motivo pelo qual Van Gogh foi levado a cortar sua própria orelha, ou, como defendem alguns, apenas o lóbulo. - Disse eu.

- O tamanho do lóbulo da orelha e do dedo médio influenciam inconscientemente na atração sexual entre duas pessoas, apontam alguns evolucionistas. Há pesquisas que descobriram como as mais exóticas formas de uma árvore se comunicar com outra quando uma floresta está sob ameaça de desmatamento, ou até mesmo o porquê da grama exalar um cheiro específico quando é cortada. Por muito tempo se acreditou que as girafas eram animais praticamente mudos e por isso antissociais, até ser descoberto que, na verdade, assim como alguns artistas incompreendidos, elas são seres que fogem às normas da linguagem. - Disse você .

Bordado com a releitura da obra "O grito", de Edvard Munch.<br>
Bordado com a releitura da obra "O grito", de Edvard Munch.
<br>

"Girafas não tem cordas vocais"

A biologia é a única profecia em que eu deposito minha fé - por mais absurda que pareça essa teoria de que o tamanho do dedo e do lóbulo possam ser motivos para uma pessoa inconscientemente gostar de outra. Quando te dei o bordado de presente não foi por nada além da legenda numa foto tua: "Girafas não tem cordas vocais". Se fosse um poema em comum que eu e você tivéssemos postado, um trecho de uma música desconhecida que só nós conhecêssemos, ou então tivéssemos aberto a mesma porta de banheiro e lido o mesmo rabisco de alguém...Nada disso. Não sei qual foi o grito que essa frase deu no meu ouvido!

Senti que a vibração sonora do silêncio que te rondava começou a se insinuar para mim a partir dali. O tom da tua mudez soou para mim como cantiga de ninar para uma criança, ao mesmo tempo que fogos de artifício faziam meus tímpanos explodirem. A presença e ausência de som em harmonia.

O barulho do que eu sinto não me deixava escutar nada, além dos movimentos circulares que você fazia com a língua. Passei a entender, na prática, a que Cazuza se referia na música "Codinome Beija-flor", quando cantava " Só eu que podia, dentro da tua orelha fria, dizer segredos de liquidificador ...".


  • link para quem, assim como eu, ama sentir um misto de melancolia com nostalgia quando assiste os comerciais de turismo brasileiro da globo: https://www.youtube.com/watch?v=dl_YzpxvEu8&list=PLkJ46A8RUSR15Ohg45INncBMWQddBdYkC. 
  • ( os comentários nos vídeos são muito bons, kkk)
  •  link para o perfil do twitter da Bruna Kalil Othero, ela é poeta, professora de literatura e atualmente estudante de Doutorado em Universidade de Indiana (EUA). As passagens sobre o cu na lit. brasileira foram tiradas de lá,super indico as threads dela sobre literatura: 
  • Para vocês entrarem no clima da newsletter de hoje, indico esse álbum de um cantor pernambucano que não paro de escutar desde a semana passada. Em especial, as músicas "Olho Dela" , "Colombina" e "Espaço Tempo": 
Compartilhar conteúdo

 "Do amor há um tipo que se deve aceitar, mas não na íntegra. Ele nunca deve se tornar uma parte do mesmo, mas sim ser usado ou carregado - pode-se exibir-lo então, florescer, até mesmo segurá-lo de cabeça para baixo para atrair a atenção, desnudá-lo em público, vangloriar-se dele nas ruas, em descobre lotados, na cama; aperte-o firmemente contra o peito, toque-o, abrace-o, sinta-o até osso, aceite seu calor, seu cheiro, o que quer que escorra dos seus poros, goteje de todas as suas aberturas - e ainda assim a qualquer momento está preparado para derrubá-lo como um cocô, despedaçá-lo como pele, arrancá-lo com dente , e nunca perdê-lo. "

Desde que meus dentes encarnaram a vontade de morder os teus eles começaram a se contrair uns contra os outros, gritando de saudade. Em alguns momentos a pressão é tão forte que parece que os dentes vão cair, como se quisessem sair da minha boca para viver na tua.

Fazer um comentário
Seguir meu Canal