Chuva interminável
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Chuva interminável

Sobre a importância da melancolia, ira e dos demais sentimentos em nossa essência.

Kauê
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O sofrimento sempre acompanha uma inteligência elevada e um coração profundo. Os homens verdadeiramente grandes experimentam uma grande tristeza, acometido de uma melancolia súbita.

Inicio a reflexão citando Dostoiévski, um dos romancistas mais extraordinários de todos os tempos. Assim escrevo sem ter nenhuma ideia de como terminará. Este texto não teve qualquer planejamento e é de última hora. Guiado somente por uma intuição espontânea e sentimentos externalizados que, muitas vezes, são transformados em impulsos voláteis e incontroláveis. Originalmente idealizado pra ser uma atualização de “A delicadeza e efemeridade da vida”, porém, meu propósito é dar uma identidade original a este roteiro.

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Expressar sentimentos é uma das atividades mais árduas, memoráveis e singulares dos seres humanos. Tal habilidade nos diferencia de qualquer outra espécie. Nos torna únicos. O balanço entre emoção e razão seria o ápice de nossa evolução e condição biológica. Santo Agostinho discorda e diria que é somente a razão em si que torna nossa alma imortal.

É de conhecimento público que não sei lidar muito bem com sentimentos. Por elevar a racionalidade ao extremo, vejo-os como secundários ou complementares, como se seu papel fosse somente atrapalhar um julgamento ou decisão assertiva. “Sentimentos são inúteis, preciso eliminá-los”: assim pensei durante 12 anos. Erro narcisista. Hoje lido com as consequências de uma negligência tão supérflua e imatura. Minha grande dúvida é se ainda conseguirei desenvolver o emocional em seu potencial máximo, pelo menos em vida.

Conforme crescemos, a vida torna-se cada vez mais difícil. É o real mas não o ideal. Este infelizmente não existe e sabemos disso. Confesso que meu temperamento não é dos mais fáceis de ser definido. Minha personalidade consegue ser ainda mais complicada. No meu caso, existem apenas dois sentimentos recorrentes: melancolia e ira. Esta última é de fato a mais frequente, então me defino como um reativo controlado, sempre evitando agir pela emoção. Todavia, nem sempre é possível.

Por ser predominantemente melancólico, sempre analiso uma situação diversas vezes e suas possíveis consequências antes de tomar qualquer atitude, o que, não em raras ocasiões, resulta em uma inercia crônica por medo de errar ou ser mal compreendido. Afirmo, de maneira eloquente, que melancolia não é sinônimo de tristeza ou necessariamente negativa. É um temperamento de pessoas introspectivas e cautelosas. Quando estamos mais contidos não significa aflição, podemos apenas estarmos imersos em nossos próprios pensamentos. Overthinking é uma prática extremamente comum. A capacidade de enxergar além do óbvio é uma das habilidades que mais admiro neste comportamento. Encontrar um equilíbrio a ponto de contemplar e ver beleza em um clima mais taciturno é ímpar. Por mais contraditório que pareça, é possível estar bem coexistindo com a melancolia.

Acerca das explosões de raiva, certamente é a emoção mais intensa. Leva milésimos para transitar de um estado calmo ou até mesmo melancólico para o colérico. Neste sequestro emocional, a motivação principal é ter o controle absoluto. Quando encontro-me nesta condição, ser direto, assertivo e, muitas vezes, grosseiro, torna-se inevitável. Caso um problema seja identificado ou tenha um objetivo concreto, ser extremamente determinado transforma-se em uma virtude. A mudança de postura é evidente, assustando os que estiverem próximos e que não estejam acostumados. Tal mistura de temperamentos faz alusão ao conto O Médico e o Monstro da vida real.

Dito isso, diariamente lido com essa dicotomia do temperamento melancólico-colérico. Hoje posso estar mais cauteloso, amanhã, quem sabe, mais explosivo. Qualquer estímulo externo pode alterar totalmente o comportamento atual. Sejamos resilientes, desenvolvamos nossa temperança. Jamais deixemos com que nossas emoções nos controlem. São fundamentais mas não como mente pensante. É difícil manter o controle quando se deseja ter o controle a qualquer custo.

Alegria, tristeza, raiva, amor, frustração, medo, empatia, felicidade, esperança, paixão, surpresa, hostilidade são todos sentimentos. Não é das tarefas mais fáceis descrever o que cada um representa. A qualquer instante, nossa vida pode mudar subitamente, sem qualquer prenúncio ou planejamento. Aproveite cada momento, cada emoção diferente que puder sentir. Elas são responsáveis pelo nosso amadurecimento e assumir responsabilidades. A razão nos ensina a pensar, as emoções ensinam-nos a viver.

Música recomendada: Endless Rain do X Japan