Este texto é a parte 2 de uma série de três textos em que falamos sobre uma pergunta comum entre os estudantes, a saber "Para que serve a matemática que em meu dia a dia?" Aqui mostramos que a matemática pode ser útil para resolver N problemas, mas e
"Professor, pra que serve matemática em meu dia a dia?" Vamos continuar a discutir sobre esta pergunta recorrente dos estudantes de Ensino Fundamental e Médio. Como discutido na outra postagem, o mais apropriado seria procurar não por uma aplicação direta no dia a dia e sim por aplicações, ou seja, mudar a pergunta "Onde eu aplico isso em meu dia a dia?" para "Onde posso ver esse conhecimento aplicado?" | ||
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Como comentamos na postagem anterior, a matemática da vida é aquela que se aprende até o 7º ano (antiga 6ª série) em que se aprende a lidar com as quatro operações da aritmética, regra de três, porcentagem, juros simples, talvez um pouco de juros composto. O que vem depois disso, dificilmente será algo que vai usar em seu cotidiano, mas isso não quer dizer que não se tenha aplicações. | ||
Leia também: Professor, para que serve a Matemática em meu dia a dia? [Parte 1] | ||
Eu penso que é muito importante também que nós, professores, deixemos isso claro aos estudantes. Algo do tipo: matemática até o 7º ano (antiga 6ª série) é uma matemática que será útil em seu cotidiano. Matemática que se estuda depois disso temos como mostrar aplicações para praticamente tudo, mas essa aplicação não será algo que irá usar em sua vida diária. Quer um exemplo? | ||
Observação: a seguir pretendo colocar o leitor em contato com uma situação que poderia ser real para uma pessoa ou outra e que para solução do problema usamos muita matemática que é estudada na escola, mas que não é algo que se use no cotidiano. Caso não queira ver os detalhes, vá para o final na seção "Epílogo"... Entretanto, garanto que não é uma matemática complicada. Mesmo você não morrendo de amores (ainda) pela matemática, garanto que conseguirá entender. ;-) Vamos lá? | ||
Vamos começar com uma situação bem simples nesta postagem e depois podemos tentar evoluir para outras menos simples na postagem posteriores, ok? Considere a situação problema apresentada e resolvida a seguir, que poderia (e pode até) estar como um exercício de um livro texto de matemática. | ||
Suponha que tenha ido passar um final de semana na chácara de um amigo seu. Chegando lá seu anfitrião lhe colocou a par de um problema. Ele relatou que possuía um muro e 100 metros de uma tela para construir um cercado de tal forma que aproveitasse o muro existente. Além disso, ele quer, também, que a criação tenha o maior espaço possível, ou seja, que a área cercada seja máxima. Como resolveria esse problema? | ||
Resolver o problema aqui é encontrar as dimensões do cercado de tal forma que 100 metros de tela sejam usados aproveitando o muro já existente e além disso, que a área seja máxima. | ||
Passos para a resolução de um problema | ||
O que estudamos muito na escola é como lidar com o Passo 2, isto é, resolver um problema matemático, mas esta é apenas uma etapa na resolução de um problema. É necessário primeiro transformar um problema real em um problema matemático e aí sim, usamos ferramentas matemáticas para resolver o problema. | ||
Como comentado na outra postagem, é necessário que nós, professores, não fiquemos apenas no Passo 2, que é um dos passos mais importantes, mas só ele deixa a impressão de inutilidade para o que estamos estudando quando não há um problema que se resolva com o objeto de estudo. É necessário dar significância a isso que está estudando, concorda? ;-) | ||
Resolução do Problema Proposto | ||
Estamos diante do PROBLEMA REAL (veja a figura anterior). Em geral estamos diante de um problema no mundo real e precisamos levar esse problema para o mundo matemático. Costumamos chamar isso de "matematização" do problema (Passo 1). Então, como fazer isso? | ||
Um modelo representativo da situação real pode ajudar. Um esboço ou desenho envolvendo os dados principais do problema, o que conhecemos e o que desejamos conhecer é interessante. Veja se a ilustração seguinte ajuda. | ||
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O desenho representa o cercado feito com a tela (a parte azul), aproveitando o muro. Como nosso anfitrião disse que havia comprado 100 metros de tela então o comprimento total da parte que está marcada em azul deve ser 100, mas... Quanto deve medir cada lado? Esse é o problema. Eu não sei quanto mede nada. Só sei que tudo (comprimento da parte azulada) deve ser 100 m. | ||
Então, vamos lançar mão de um recurso comum em matemática que são as chamadas variáveis. Usaremos uma letra para representar um número desconhecido. É corriqueiro o uso do "x"mas pode ser qualquer símbolo. O importante é saber o que ele significa. Vamos dizer então que o lado menor tenha medida "x". Uma rápida inspeção nos leva a concluir que o outro lado menor também deve ser "x". Ficamos então com a seguinte situação, mostrada na figura seguinte. | ||
Legal... Agora, como podemos escrever a medida do lado maior do retângulo? Poderíamos chamar de "y"? Claro, mas há alguma relação entre "x" e "y"? Pense bem. A parte de cor azul deve ter comprimento 100, não? Pois bem, se é assim, | ||
x+y+x=100 | ||
Nós podemos escrever o "y" em função do "x" e encontrar que | ||
y=100-2x | ||
Legal... Agora temos o que está anotado na figura seguinte: | ||
Vamos lembrar o que queremos: determinar as medidas dos lados que fazem com que a área seja máxima. Quando temos números fixos o cálculo da área de um retângulo é muito simples. Estudamos isso na escola, embora muitos acharam bobagem conhecer como se calcula área de regiões planas por não ver onde isso seria útil em seu dia a dia. | ||
A área de um retângulo pode ser calculada multiplicando as medidas de dois lados consecutivos, comumente falado: multiplica-se a medida da base pela medida da altura. Temos ali uma porção de letras, mas... não se esqueça que estas letras representam números (no caso os valores possíveis de "x" são de 0 a 50, concorda?). Como seria então a medida da área? | ||
Repare na figura anterior. Vamos usar uma outra letra para "guardar" o valor da área. A letra que será usada é a letra "A". Assim, podemos escrever: | ||
A=x.(100-2x) | ||
Aqui será necessário acessar em sua mente o que seus professores de matemática ensinaram lá no 8º ano (7ª Série) sobre multiplicação de monômios: o que é parte literal e coeficientes; precisa também saber o básico de propriedades de potências que seus professores vêm falando nisso desde o 6º Ano (antiga 5ª Série) e muitos acharam uma bobagem estudar aquilo porque não usariam em seu dia a dia. | ||
Supondo assimilou o que viu nas aulas de matemática chegará à conclusão que poderá escrever a expressão anterior assim: | ||
A=100x-2x² | ||
e mais... Verá que a variável "A" depende da variável "x" e assim terá a função | ||
A(x)=100x-2x²=-2x²+100x | ||
Função.... função... Essa palavrinha não é estranha a você, não é? Se já passou do 9º ano (antiga 8ª série) já estudou sobre isso e na época até falou para seu professor que não precisaria de função em seu dia-a-dia. Pois bem, estamos diante de uma função quadrática ( função polinomial do 2º grau). | ||
Vejamos como ficou nosso problema. Encontrar as dimensões do cercado que faz com que a área seja máxima é o mesmo que encontrar o valor de "x" que maximiza a função A(x)=100x-2x² e o nosso problema está "matematizado", isto é, transformamos um problema real em um problema matemático. Acompanhe na figura nossa posição. No passo 2 é onde usamos ferramentas matemáticas para resolver o problema matemático. | ||
Agora, esqueça o problema da cerca. Nosso propósito é encontrar o valor de "x" que maximiza a função A(x)=100x-2x². Aqui, há alguns conceitos que foram passados pelo seu professor quando estudou funções quadráticas (de 2º grau). Será que deu a devida importância? Veja só alguns assuntos que devem ser dominados para a resolução desse problema. | ||
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Apareceu uma porção de palavrinhas estranhas aí, não? Parábola? O que é isso? Vértice? Abcissa? Como é mesmo o nome? Domínio? Você já viu essa palavra... Mas o que ela significa mesmo? Pois bem... Aqui vem a questão de você ser "alfabetizado" nesta linguagem. Se falamos: o eixo das abcissas é o horizontal e o das ordenadas é o vertical; no eixo das abcissas vamos marcar os valores de "x" e no eixo das ordenadas vamos marcar os valores de A(x). | ||
Se você não faz ideia do que seja eixo das abcissas e eixo das ordenadas, isto será uma linguagem estranha para você e assim não haverá comunicação, concorda? Entretanto para alguém "alfabetizado" em matemática, deverá vir à sua mente algo como mostramos na figura seguinte. | ||
Para cada valor de "x" há um valor de "y" correspondente. Estes dois valores formarão um par (x,y) que tem uma correspondência biunívoca com os pontos do plano coordenado (outra palavra estranha?). Se você dispusesse de muuuitooo tempo e paciência poderia ir colocando x valendo 0, 1, 2, 3, ... até 50 e depois de marcar os pares (x,y) encontraria algo semelhante ao que está na figura seguinte. | ||
Não temos tempo para fazer isso. Essa seria uma forma pouco inteligente de resolver o problema. Aproveitamos o gráfico anterior e perguntamos: você sabe "ler" o que o gráfico diz? Os números que aparecem na horizontal representam o quê? E os números que aparecem na vertical? | ||
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Vamos então aos assuntos que são vistos em sala de aula e que deverá conhecer para resolver esse problema: | ||
1) Saber o que significam os números que aparecerão na horizontal e na vertical (medida do menor lado do retângulo e a área, respectivamente) | ||
2) Saber construir o esboço do gráfico de uma função quadrática de forma rápida. Para isso basta conhecer o que representa os coeficientes "a", "b" e "c" para o gráfico da função quadrática f(x)=ax²+bx+c a saber: o sinal de "a" indica se a parábola tem concavidade voltada para cima ou para baixo; "b" indica se a parábola cruza com o eixo das abcissas na parte crescente ou decrescente; "c" indica onde o gráfico cruza com o eixo das ordenadas e o sinal de Δ indica em quantos pontos o gráfico cruza com o eixo das abcissas. Tudo isso é ensinado nas aulas de matemática. | ||
3) Saber que o valor máximo está na ordenada do ponto chamado Vértice e que esse ponto é o que fica na posição mais alta (falando sem formalismo) da parábola, no caso de ela ter a concavidade voltada para baixo. | ||
4) Saber que essa ordenada do vértice representa o valor máximo da área. | ||
5) Saber que o valor de "x" no eixo das abscissas que geral o valor máximo pode ser calculado assim: x=−b/2a (considerando A(x)=ax²+bx+c a forma genérica). | ||
Então, o valor de "x" que procuramos (aquele que faz com que a área seja máxima) é | ||
x=−b/2a=−1002⋅(−2)=−100−4=25 | ||
Ora, ora... Acabamos de encontrar o valor de "x" que faz com que a função A(x)=100x−2x² assuma o valor máximo. Estamos então diante da solução do problema matemático. Acompanhe nossa posição na figura seguinte. | ||
Lembre-se do que escrevemos anteriormente: | ||
Encontrar as dimensões do cercado que faz com que a área seja máxima é o mesmo que encontrar o valor de "x" que maximiza a função A(x)=100x−2x² e o nosso problema está "matematizado", isto é, transformamos um problema real em um problema matemático. | ||
Veja se compreende que o valor de "x" que faz com que A(x) seja máximo é x=25. Esta é a solução do problema matemático. Agora, vamos ao passo seguinte que vou chamar de "Realização". Inventei o uso desta palavra aqui para representar o sentido de transformar algo do mundo matemático em algo do mundo real. Vamos então ao Passo 3. | ||
A variável "x" representava a medida do lado menor do lado do cercado, correto? Vamos ver a figura novamente. | ||
Então, troque "x" pelo valor que encontrou. Para a expressão 100−2x, se x=25 ficaremos com | ||
100−2⋅25=100−50=50 | ||
Após a substituição ficaremos com o que pode ver na figura seguinte | ||
O último passo (validação dos dados obtidos) é uma etapa geralmente ignorada pelos estudantes, mas penso que é importante também. No caso, o que precisa verificar nesse caso é apenas se de fato resolveu o problema. Adicionando os números 25; 50 e 25 teremos os 100 metros de tela dados inicialmente. O problema foi resolvido. | ||
Essa etapa (validação) evita que você divida 9001 reais com três pessoas e encontre que cada um deveria receber R$ 300,33 e nem perceba que se multiplicar um pouco mais de 300 por 3 não vai encontrar algo próximo de 9000 e sim de 900. | ||
EPÍLOGO | ||
O problema apresentado aqui é uma ilustração que mostra a matemática de 9º ano (antiga 8ª Série) sendo usada para resolver um problema que até poderia ser um problema na vida prática de alguém, mas convenhamos... O número de pessoas que vai se deparar com esta situação é insignificante. É uma aplicação para funções quadráticas e resolveu aqui um problema de otimização, mas não é uma situação que vai se deparar em seu dia a dia. | ||
Como esta, é possível mostrar aplicações para N outros assuntos que se estuda na escola. Podemos calcular a altura de uma montanha, a largura de um rio, a distância da Terra à Lua, a distância da Terra ao Sol, idade de um fóssil e várias outras situações, mas nenhuma delas serão situações que precisará da matemática em seu dia a dia. Você não sairá de casa e no meio do caminho você vai se deparar com o problema de encontrar a largura de um rio. Entretanto, não deixa de ser uma aplicação para assuntos estudados na escola. | ||
Na próxima postagem finalizamos esse diálogo sobre a matemática no dia a dia. Já viu a primeira parte? E a terceira parte? | ||
Considere a possibilidade se seguir o meu canal. ;-) | ||
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Abração pro 6 ;-) | ||
Luís Cláudio LA |