O ritual científico de torcer
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O ritual científico de torcer

Seu time faz um gol enquanto você está com o braço esticado com uma furadeira para o alto. E aí? 

Pedro Galvão
3 min
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Seu time faz um gol enquanto você está com o braço esticado com uma furadeira para o alto. E aí? 

Eu não acredito em superstição, acho que é coisa de bobo. Eu acredito no empirismo científico. Testar hipóteses e comprovar. Newton viu a maçã cair algumas vezes e chegou na gravidade.

Eu vi todos os jogos da Libertadores de 2013 trajando o mesmo conjunto de tênis, meia, calça, cueca e camisa do Galo (com blusa de frio branca por baixo dela). Uma evidência comprovada - ao longo de 14 jogos, dez deles vencidos e a taça conquistada - de que o vestuário fez diferença.

Nessa perspectiva a ciência comprova que o chute vai para fora ou para dentro de acordo com algumas atitudes que podemos adotar ou evitar. Não tem ateu nem crente no mundo que não tenha pensado, ao menos uma vez, em sofá, camisa, bar, ritual, marca de cerveja, posição da tv ou seja lá o que for "da sorte" se o assunto for o time do coração jogando

Isso é óbvio. Mas, e a contraprova científica? Quando todas as equações, rigorosamente medidas pela metodologia científica, falham justamente em você. O Galo venceu hoje por 1x0. Pela terceira vez seguida, o que talvez seja inédito no Brasileirão.

O gol foi marcado aos 40 SEGUNDOS DE JOGO, quando eu ainda decidia na cozinha entre a faca e a tesoura para picar o salsichão que acompanharia a cerveja.

Cheguei de frente para a TV com 1x0 a favor e nem dois minutos jogados. Isso é bom? Isso é uma tortura! Depois de uns dez minutos considerando não ver o resto do jogo - tempo suficiente para o Galo desperdiçar umas quatro chances claras de contragolpe fatal - decidi ver e achar que "tudo isso é bobagem". 

Nenhum ataque funciona. Nenhuma troca de passes encaixa. Da sorte não deu para reclamar pela felicidade da defesa. Mas, quem sabe, vou lá na cozinha buscar uma cerveja e fazer uma hora na mesma posição do primeiro gol?

Fui, mas voltei antes de ir. O narrador avisou que o adversário encostou na bola e aí não tive coragem de virar as costas. VAI QUE DOU AZAR?

Já foi pior. Um Galo x Flamengo agudo, no Brasileirão passado. Os dois times bem, mas o Galo vindo de derrota, ponto sensível do campeonato. Jogo domingo, às 18h15. Fiz hora extra no boteco e descobri que o Galo abriu o placar quando eu ainda caminhava para casa.

Liguei a TV e descobri o 2x0 pró. Foram uns 15 minutos no dilema entre encarar a TV ou não. Ficou 4x0, mas apelei ao spoiler do rádio no ouvido para não culpar as próprias vistas por um eventual revés.

A ciência da evidência é cruel. Às vezes, penso que seria melhor ter fé em qualquer coisa dessas que as pessoas acreditam e ignorar a seriedade de acreditar em camisa, olho, posição, etc. O pior é que ciência e fé se cruzam nessas horas. 

Eu evito contar, mas sou quase membro fundador do grupo (seita) da Furadeira Pro Alto. Tudo começou há muitos anos. Eu não vi, pois estava no Mineirão. Mas, disse meu finado e querido avô materno, única testemunha de fé presente, que meu pai executava tarefas domésticas enquanto ouvia um Atlético x Cruzeiro pelo rádio. 

Ele erguia uma furadeira, bem alta, contra a quina do teto com a parede. Gol do Galo quando o ponteiro não apontava nem 20 da primeira etapa. Foi dito que ele ficou os outros 70 minutos, mais acréscimos, com tímido descanso no intervalo, na mesmíssima posição. Fato é que o Galo venceu no dia

O Messias em questão nega. Diz que jamais deixaria de acompanhar um jogo para furar o que quer que fosse. De toda forma, seguimos de olho nas repetições possíveis e fortuitas. Mas, sem nunca acreditar nessas bobagens, é claro. 

Imagem (meramente ilustrativa) é Cc.
Imagem (meramente ilustrativa) é Cc.