Derek - a melhor série que você nunca viu

Talvez esse título seja um pouco exagerado. Talvez Derek, que foi originalmente criada para o canal britânico Channel 4 e posteriormente adquirida pela Netflix, só não tenha seu devido reconhecimento dentro da minha bolha. Mas também acredito que isso não tenha importância nenhuma, uma vez que meu objetivo é exatamente panfletá-la. Gostaria de deixar claro antes mesmo de tecer minhas observações que se você já a assistiu é um privilegiado e se ainda não, deve considerar fortemente adicioná-la à sua lista de séries para ver. Se eu não conseguir te convencer, pelo menos pondere dar uma chance por ser uma produção curtinha, são 13 episódios de cerca de 24 minutos divididos em duas temporadas e um episódio especial de Natal que encerra a trama.

No terapêutico processo de zapear todas as sugestões possíveis da Netflix para pegar no sono, me deparei com um rosto familiar numa obra que nunca tinha ouvido falar: Ricky Gervais. A simples presença do ator, produtor, roteirista e diretor inglês foi o suficiente para me fazer decidir por Derek. Eu não sou um exímio conhecedor da carreira de Gervais, mas tudo que consumi dele até hoje está entre as minhas experiências audiovisuais mais positivas: The Office, a original da BBC que inspirou o americano, o filme O primeiro mentiroso (2009) e a excelente After Life também da Netflix que inclusive deve ter a terceira temporada lançada no primeiro semestre de 2022. Penso que se eu tivesse assistido Derek antes de After Life compreenderia a maturidade alcançada por Gervais na produção mais recente.

Você possivelmente pode criar um receio ao ler a sinopse. De maneira bem sumária, Derek é uma pessoa com algum tipo de transtorno de desenvolvimento de quase 50 anos que trabalha em um lar de idosos e só consegue ver o melhor lado das pessoas. Porventura duas coisas podem passar pela sua cabeça: como fazer humor se tratando de uma pessoa com deficiência e como não ser piegas se ele só vê o bem nas pessoas? Adianto que as duas dúvidas são prontamente descartadas logo no episódio piloto. Derek é sim simples, como costumam ser os trabalhos de Gervais, com elenco reduzido e quase toda a série dentro de uma única locação, o asilo em Broad Hill. No entanto, simplicidade não é sinônimo de ingenuidade. Derek é de uma delicadeza e de um envolvimento profundo capaz de fazer rir e chorar nos poucos mais de 20 minutos de cada episódio.

Ele tem um formato já consagrado na TV tanto pelas duas versões de The Office quanto por Modern Family que é o mockumentary. O falso documentário tem antecedentes célebres, como a adaptação para o rádio do romance A guerra dos mundos, de H. G. Wells que Orson Welles produziu, Zelig (1983) de Woody Allen e até terror com A Bruxa de Blair (1999). Logo, a dinâmica de simular a gravação de um documentário, entrevistas entre as ações e a fala do ator direto para a câmera não são estranhas aos espectadores. O que considero sim um fator de distanciamento pode ser o tão famoso humor britânico que mistura críticas mordazes com cenas de humor pastelão. Há quem de fato não se identifique com ele, é uma questão de gosto, eu sei. No entanto, para aproveitar Derek da melhor maneira é preciso se despir de qualquer preconceito desse tipo.

O mais difícil são as primeiras barreiras que descrevi. Eu tenho certeza que ao dar uma chance você vai se apaixonar pelos idosos do asilo e suas histórias, se emocionar com a visão de mundo de Derek, torcer pelo sucesso de Hannah, a administradora do lar, e até pela recuperação do repugnante Kevin, um homem infeliz e extremamente deprimido que vive do seguro-desemprego. O equilíbrio quase que perfeito entre drama e comédia, além das lições de empatia e solidariedade muito bem colocadas sem se tornar uma água com açúcar fazem da série uma ótima opção de riso e emoção em tempos de egoísmos.

FICHA TÉCNICA

• Direção: Ricky Gervais
• Roteiro: Ricky Gervais
• Ano: 2012-2015
• Nacionalidade: UK
• Duração: 24 minutos por episódio + 1 especial de Natal com 59 minutos
• Classificação: 14 anos