Duna - um épico de contradições
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Duna - um épico de contradições

Eu entrei na sala de cinema sem nenhuma referência da história e saí dela com vontade de conhecer mais sobre o universo criado por Herbert. O filme é didático, mas não explícito ao apresentar peculiaridades do funcionamento daquele meio.

Caio Cidrini
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Duna é sem dúvida uma das estreias mais relevantes de 2021 por duas razões. A primeira é a mitologia criada em torno das adaptações da obra original, o livro homônimo de Frank Herbert de 1965. Ele já foi do maior filme não produzido da história com Alejandro Jodorowsky até o fiasco cafona rejeitado pelo próprio diretor, David Lynch, em 1984.  O calhamaço de mais de 500 páginas que abriga o complexo universo detalhado de Herbert ganhou status de inadaptável. Além disso, ele enfrenta a telona depois de quase dois anos de salas vazias por causa da pandemia do Coronavírus, ou seja, repleto de dúvidas em relação ao comportamento da audiência.

Apesar do contexto evidentemente transformar a feitura do projeto em um desafio ainda mais árduo e imponderável, o diretor Denis Villeneuve foi uma escolha segura. Não somente por ser responsável por alguns dos filmes mais significativos da última década, como o já clássico Incêndios (2010) e seu plot twist que está entre os maiores da sétima arte, e Os Suspeitos (2013). Mas também por ter fincado os dois pés na ficção científica com o sucesso de A chegada (2016) e Blade Runner: 2049 (2017), além de ser fã confesso de Duna. 

A história se passa em um futuro no qual o universo é governado por um império central apoiado por nobres casas distribuídas pelas galáxias que são responsáveis por diferentes mundos numa espécie de feudalismo cósmico. Toda a articulação do império só é possível graças ao que é chamado de especiaria, uma substância presente nas areias do desértico planeta de Arrakis, conhecido como Duna. Ela permite a viagem intergalática, ou seja, sem especiaria sem império, uma vez que as rotas comerciais, a comunicação e até mesmo a guerra não seriam possíveis. É uma clara alusão ao petróleo ao meu ver. 

Paul Atreides (Timothée Chalamet) e Lady Jessica (Rebecca Fergunson)
Paul Atreides (Timothée Chalamet) e Lady Jessica (Rebecca Fergunson)

Arrakis, que é o lar dos Freeman, um povo nascido no deserto que cultua os grandes vermes de areia, foi explorado pelos Harkonnen durante 80 anos. Ela é uma casa truculenta que não está disposta a perder a sua geração de receita ao precisar ceder a exploração da especiaria para a casa Atreides por decisão imperial. Percebe-se logo que elementos como o colonialismo e direitos dos povos nativos ajudam a costurar o pano de fundo repleto de intrigas políticas de Duna. A trama ainda passeia por conceitos ecológicos ao tratar da escassez de água e religiosos com as irmãs Bene Gesserit e as visões proféticas do jovem Paul Atreides que protagoniza o filme, um possível messias que herda a responsabilidade de manter a casa da sua família de pé.

É importante ressaltar que nunca li o livro de Frank Herbert e, logo, seria canalhice tecer qualquer comentário do ponto de vista da fidelidade do roteiro. No entanto, não é difícil ter conhecimento da relevância do texto e do seu universo. O próprio George Lucas assumiu a inspiração em Duna para criar Star Wars. Ao longo das pouco mais de duas horas e meia de filme também é muito fácil reconhecer essa influência até sobre obras além da ficção científica, como As Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin. Essa é para mim a primeira contradição do longa: como abordar um assunto do qual você é precursor se ele já foi amplamente destrinchado em obras que se inspiraram em você?  

A escolha de Villeneuve e dos roteiristas Eric Roth e Jon Spaihts foi pelo minimalismo já característico do diretor canadense. Minimalismo que é contrastante tanto nos aspectos visuais do filme quanto nas escolhas narrativas e não é necessariamente comum ou trivial. Há naves gigantescas, mas elas não parecem blocos de legos atulhados de cabos e fios ou reluzem um metal branco ou prata recém-saídos de uma impressora 3D. Os planos extremamente abertos e vastos opõem-se às pessoas que praticamente desaparecem na tela com a miudeza imposta. No que tange a trama, o minimalismo está em abrir mão dos arcos de outros personagens como é comum em um épico cheio de detalhes, planetas, famílias e núcleos para focar na jornada de Paul, interpretado por Timothée Chalamet.

Elenco estrelado de Duna (2021)
Elenco estrelado de Duna (2021)

Por falar em interpretações, esse é mais um contraste do filme. Uma vez que o elenco estrelado conta com nomes como Oscar Isaac, Zendaya, Rebecca Fergunson, Jason Momoa, Josh Brolin, Javier Bardem e Stellan Skarsgård, você pode ter a falsa percepção de desperdício de talento com o pouco tempo de tela e desenvolvimento da maioria deles. Aliás, tudo em Duna grita blockbuster, além do elenco e do diretor, o filme tem orçamento de blockbuster e é uma aposta da Warner para começar uma saga. Contudo, se você espera estruturas conhecidas da jornada do herói e ação frenética vai se frustrar. Duna tem um ritmo completamente incomum ao que se espera dos filmes desse tipo hoje em dia com a ausência de momentos catárticos, muito diálogo e uma tensão permanente que faz com que seja impossível assistir ao longa sem foco e engajamento total. Duna exige paciência e esforço, coisas que nem todo espectador está disposto a investir e essa escolha é individual.

Eu entrei na sala de cinema sem nenhuma referência da história e saí dela com vontade de conhecer mais sobre o universo criado por Herbert. O filme é didático, mas não explícito ao apresentar peculiaridades do funcionamento daquele meio. Traz reflexões muito necessárias sobre questões políticas, sociais e ambientais mesmo depois de mais de 50 anos da publicação do livro em que se baseou. Não encaro seu ritmo que pode ser considerado moroso como um problema, toda a ambientação ajuda a equilibrar os sentimentos, muitas vezes se tornando uma experiência contemplativa, tanto que ele não é uma obra finda em si mesma. Logo nas primeiras cenas um letreiro anuncia que essa é uma parte 1. É difícil tirar conclusões de algo que não está completo e por deixar claro desde o início que se trata de uma primeira parte, não esperava nenhum final. Mas o desapontamento com o corte abrupto também permeia minhas percepções. Depois de tanto tempo investido aprendendo sobre o universo e decifrando Paul Atreides, quando finalmente algumas respostas aparecem no horizonte os créditos sobem. Ainda bem que a parte 2 já foi confirmada pelo estúdio, porque vê-las juntas vai ser bem melhor.

FICHA TÉCNICA    

  • Direção: Denis Villeneuve 
  • Roteiro: Denis Villeneuve, Eric Roth, Jon Spaihts
  • Ano: 2021
  • Nacionalidade: EUA
  • Duração: 155 minutos
  • Classificação: 14 anos

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