Marighella - um filme necessário
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Marighella - um filme necessário

A câmera tremida na mão que faz parte da ação, não só como o elemento que narra, e o foco nos rostos suados demonstram essa escolha por uma espécie de gênero policial adaptado. Uma vez que o filme tem também um papel didático, essas escolhas são nece

Caio Cidrini
5 min
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Depois de dois anos adiado, primeiro por causa do boicote da atual gestão da Ancine (Agência Nacional de Cinema) e depois devido a pandemia do Coronavírus, Marighella chegou aos cinemas brasileiros. O filme estreou em 2019 no Festival de Berlim, mas só foi exibido nas telonas do Brasil em novembro de 2021. Ele marca o debute de Wagner Moura como diretor de longa-metragens. Marighella já seria relevante pelas polêmicas e pela estreia de um dos maiores atores do nosso país na direção, tanto que ele já é o filme nacional mais visto do ano. No entanto, ele apresenta um agente elementar da história recente do Brasil para o grande público a partir de uma perspectiva muito clara. O filme é um produto do tempo de polarizações e disputas de narrativas, por isso é impossível ser indiferente a ele.

Em meio ao alastramento do negacionismo histórico, Wagner Moura é transparente e em nenhum momento ilude o espectador. Na primeira cena os letreiros e a narração explicam por qual ótica ele conta a história do guerrilheiro ao usar as expressões acertadas: golpe de Estado e ditadura militar. Por mais que pareça óbvio para qualquer um que conheça a trajetória do diretor e do próprio Marighella isso é fundamental na enxurrada de desinformação que vivemos.

Os roteiristas usaram como material base o livro Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães. Político e poeta, Carlos Marighella nasceu na Bahia, filho de um imigrante italiano e de uma filha livre de escravos sudaneses. Abandonou a faculdade de Engenharia Civil para se filiar ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi perseguido e preso durante o Estado Novo, anistiado, eleito deputado e teve o mandato cassado. 

Mas o filme não vai te contar nada disso porque ele não é uma cinebiografia nos moldes tradicionais. Wagner Moura optou por trazer luz aos últimos anos de Marighella com um pequeno flashback de 1964 quando ele foi baleado e preso dentro de um cinema no Rio de Janeiro um mês após o golpe militar. Solto por pressão da imprensa, ele foi expulso do PCB por ser um dos arquitetos da luta armada com a organização da Aliança Nacional Libertadora e viveu na clandestinidade até a sua morte em 1969.

Apesar de dar nome a obra, há uma certa descentralização do ponto de vista durante o longa. Às vezes acompanhamos o Delegado Lúcio, vivido por Bruno Gagliasso, que é claramente uma referência a Sérgio Fleury, comandante do DOPS de São Paulo durante a ditadura militar e responsável pela tortura e assassinato de dezenas de militantes. Também temos a perspectiva de Carlinhos, filho de Marighella que trata de como é crescer longe do pai e ser rebento do inimigo número um do país. Branco, inspirado em Joaquim Câmara Ferreira, e Jorge, inspirado em Virgílio Gomes da Silva, ambos líderes do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, também tem seus ângulos contados.

Ainda que seja interessante que num filme no qual um dos objetivos seja introduzir uma personalidade da nossa história também sejam postos em evidência outros agentes daquela ação, essa decisão contribuiu para que tenhamos a sensação de não conhecermos bem nenhum dos personagens. Talvez o pouco tempo para cada ponto de vista não consiga deixar claro as motivações e contradições dos outros além de Marighella. Eles poderiam ter desenvolvimentos menos superficiais ou até mesmo o tempo de tela poderia ser destinado a entrarmos mais ainda no mundo do personagem-título. Isso porque Seu Jorge toma conta das cenas. Por mais que ele não tenha todos os recursos da formação de um ator, o carisma, o olhar e a voz concentram a atenção de quem está assistindo. 

Abrindo aqui um parênteses sobre a contestação da escalação do artista levantada por grupos reacionários devido a cor da pele de Seu Jorge ser mais escura do que a de Carlos Marighella, fica evidente que é uma escolha política e, para mim, acertada. Da mesma forma que a indústria cinematográfica e o cristianismo embranquecem a história, Moura optou por enegrecer o pensamento. A incapacidade de entender essa dinâmica diz mais sobre quem chiou do que sobre Wagner Moura, Seu Jorge ou Marighella.

É importante destacar que o filme não massageia o ego de intelectuais através de refinamento técnico ou estético. Não é que o filme seja “feio” ou “malfeito”, no entanto, ele não funciona apenas para ser assistido em cineclubes e debatido entre taças de vinhos e referências acadêmicas. Wagner Moura lançou mão do que já vivenciou tanto no Brasil com a convivência com José Padilha quanto do que absorveu em Hollywood. Marighella é também um thriller com explosões, perseguições e tiroteios. A câmera tremida na mão que faz parte da ação, não só como o elemento que narra, e o foco nos rostos suados demonstram essa escolha por uma espécie de gênero policial adaptado. Até alívios cômicos estão presentes para trazer leveza em meio a situações tensas. Há também a presença de personagens caricatos, como Lúcio, o perverso vilão, e Clara, a esposa preocupada, além de confrontos binários livres de ambivalências, ou seja, é o bem contra o mal sem espaço para as áreas cinzentas. Uma vez que o filme tem também um papel didático, essas escolhas são necessárias na tentativa de furar a bolha ideológica. 

FICHA TÉCNICA

  • Direção: Wagner Moura
  • Roteiro: Felipe Braga e Wagner Moura
  • Ano: 2019
  • Nacionalidade: BRA
  • Duração: 141 minutos
  • Classificação: 16 anos
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