o quarto
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o quarto

Era só um quarto. Quatro paredes brancas e mal pintadas, uma cama sempre desarrumada — um convite silencioso e indubitável para mim, é claro —, uma mesinha pequena ao pé da cama, um baú estampado de zebra e um armário recheado de livros que n...

Francine Lelina
1 min
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Era só um quarto. Quatro paredes brancas e mal pintadas, uma cama sempre desarrumada — um convite silencioso e indubitável para mim, é claro —, uma mesinha pequena ao pé da cama, um baú estampado de zebra e um armário recheado de livros que nunca foram retirados do plástico: meu pensamento imediato quando me perguntavam do que eu tinha saudade. 

Fiquei longos anos fora de casa, sendo mais visitante que moradora deste quarto, mas regressei quando o mundo pediu um tempo. E foi nesse retorno que percebi as marcas deixadas no gesso por uma goteira chata surgida naquela chuva forte do ano retrasado e como o piso no canto próximo à janela foi estragado pela cadeira que meu irmão usava para jogar videogame. 

Pequenas mudanças que dão conta de minha ausência e denunciam um sentimento que não verbalizo: já não me sinto em casa neste espaço, que é meu. Em vez disso, meus pensamentos retornam ao quarto que habitei em beagá, numa república ali na rua dos tupis, próxima ao parque municipal, cujas paredes, que uma vez enchi de quadros, contrastam com as vazias e sufocantes deste, de onde escrevo. 

Lá não me pertencia, enquanto aqui... sou eu que não mais pertenço.