2019 e a queda de Paulo Sousa
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2019 e a queda de Paulo Sousa

Muito bem, falemos de 2019, de Jorge Jesus, da espetacular conquista da Taça Libertadores (virada histórica sobre o River Plate), do fantástico  ano da gestão Rodolfo Landim e Marcos Braz, de Gabigol e... de Jorge Jesus. É fato que o tema "re...

Fernando Escobar
8 min
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Muito bem, falemos de 2019, de Jorge Jesus, da espetacular conquista da Taça Libertadores (virada histórica sobre o River Plate), do fantástico  ano da gestão Rodolfo Landim e Marcos Braz, de Gabigol e... de Jorge Jesus. É fato que o tema "retorno de JJ" esfriou, mesmo no momento em que o Flamengo novamente fica sem técnico, seja porque o português está empregado na Turquia, seja porque muitos que não reconheciam, passaram a reconhecer, como outros muitos já o faziam, que o Mister não queria voltar ao Flamengo, nunca quis (Quem tiver interesse procure o canal de Mauro Cezar Pereira no Youtube, onde ele fala e prova esse ponto).

Quem tiver uma memória mais ou menos ou não seletiva irá se lembrar de que o fantástico amadorense  também no início de seu trabalho teve sua cabeça pedida  por muitos dos que hoje choram por sua volta e teve, sim, o trabalho sabotado pelo grupo de jogadores que até então não eram as estrelas que são hoje, mas que rejeitavam os rígidos métodos disciplinares do treinador.

Naquele ano, assumia o clube Rodolfo Landim substituindo a Eduardo Bandeira de Mello (sobre quem já escrevi, se quiser me dar a honra, veja aqui). O técnico do time era Abel Braga (sobre quem também já escrevi e voltarei a escrever). A nova diretoria trouxe muitos reforços para o time, incluindo o uruguaio De Arrascaeta, comprado ao Cruzeiro e mais tarde ao Defensor Sporting - URU, por um total de 80 milhões de Reais.

Após o vice campeonato nacional em 2018, com a pecha do "cheirinho" colada no clube (v. texto anterior), o time começou o ano com a conquista do Campeonato Estadual, a classificação, mesmo com duas derrotas, na fase de grupos da Libertadores. Todavia, com declarações infelizes e aceitação passiva de derrotas, além de um futebol pouco vistoso, Abel Braga deixou o clube na parada que houve para a disputa da Copa América de seleções. 

Os dirigentes do Flamengo, então, vão à Europa buscar um técnico, considerando que a produção dos técnicos nacionais vinha sendo questionada desde a acachapante derrota da seleção brasileira para a Alemanha por 7x1 em pleno Mineirão.

Após ter trabalhado no Oriente Médio e sem mercado em Portugal ou outra grande liga da Europa, Jorge Jesus "cavava" um espaço no mercado brasileiro, tendo ido asssitir Flamengo x Atlético Mineiro à convite dos mineiros até ser contratado pelo Flamengo.

Jesus, experiente, vencedor em Portugal, calejado, chegou com o pé na porta. Trouxe engenheiros agrônomos para cuidar dos gramados do CT George Helal, nutricionista, preparador físico, um coach pessoal, mandou instalar ponto eletrônico para ele os jogadores, estipulou multa por atraso, proibiu o uso de celulares durante as refeições e ainda ganhou  mais reforços.

Como salienta Mauro Cezar, o português encontrou um time que precisava se livrar "do cheirinho", encorpado por jogadores que voltavam ao Brasil e precisavam provar seu valor, trouxe um zagueiro desconhecido, Pablo Mari (sobre quem também escrevi), da segunda divisão da Espanha, em resumo, um time com fome de bola, teve um período de 20 dias de adaptação, com a parada para a Copa América, onde viralizou num treino  contra o Madureira, gritando com o volante William Arão "tá mal, Arão". Cabe dizer que Arão se tornou um dos principais jogadores daquele time, deixando de lado o comportamento displicente que o caracterizava.

Ainda assim, o começo do trabalho de Jorge Jesus não foi fácil. Jornalistas graúdos e torcedores fizeram alarde pelo treinador não ser do primeiro escalão europeu e, quando o time perdeu dois jogos, já havia muita gente pedindo sua saída. Sobre os dois jogos que perdeu, logo de cara, cabe observar, como direi abaixo, que o elenco já fazia um ensaio para fritar o técnico, mas um evento foi fundamental para o sucesso daquela equipe. 

Evidências  da "fritura"

1) Imagine a seguinte situação: você chega para treinar uma equipe, tem de cara uma decisão por pênaltis numa taça importante, você põe o seu capitão para bater o primeiro pênalti e... ele dá uma "cavadinha", entregando a bola nas mãos do goleiro adversário. 

2) Enfrentando a fase de oitavas de final da Copa Libertadores, no primeiro jogo, no Equador, contra o Emelec, Jesus faz uma escalação teste e perde a partida. Os gritos de "Professor Pardal", "é incompetente", ecoaram pela internet atrás de cliques e curtidas, inclusive proferidos por jornalistas cascudos. 

Nesta partida, no Equador, um evento mudaria radicalmente o destino da equipe. O capitão, Diego Ribas (a história dele no Flamengo vale um artigo) sofre uma fratura no tornozelo e fica afastado dos gramados. Sem Diego Ribas, Jesus consegue motivar o grupo e arrancar para o sucesso estrondoso, não sem antes:

3) Após conseguir reverter de forma heróica, também nos pênaltis, a situação na Libertadores, o time, ainda cornetado pela eliminação na Copa do Brasil, vai à Bahia e leva um passeio, 3x0, num jogo em que Jesus promoveu a estreia de Felipi Luiz, totalmente fora de ritmo e completamente dominado pelos velozes atacantes do "bora Baêa". Aqui, muitos pediram a demissão de Jorge Jesus.

Depois dessa derrota, o time deslanchou, ganhou a Copa Libertadores, ganhou o campeonato brasileiro com 19(!!) pontos de vantagem para o segundo colocado e só perdeu mais duas partidas, uma para o Santos de Jorge Sampaoli (surpresa daquele ano, vice campeão brasileiro) e para o poderoso Liverpool, na final do Mundial Interclubes (detalhe: derrota por 1x0, gol de Firmino, na prorrogação!).

E o Paulo Sousa?

Em 2020, início da pandemia, logo após renovar contrato, Jorge Jesus se foi, de volta ao Benfica, levando consigo sua comissão técnica, seus métodos, deixando o Flamengo sem rumo por alguns meses. Os jogadores perderam a forma, os profissionais do DM, treinados pela melhor empresa de prevenção a lesões do mundo, pouco a pouco deixaram o clube por causa dos baixos salários e os quatro técnicos que vieram depois não tiveram força para lidar com o elenco de estrelas.

Domènec Torrent foi fritado por tentar impor seu estilo posicional (falo sobre o estilo posicional aqui); Rogério Ceni foi fritado por exigir competência do setor de Análises; Renato Portalupe, derrotado por sua própria incompetência, apesar de um bom início, com o elenco completo, jogando à vontade e Paulo Sousa.

Paulo Sousa foi trazido para o Flamengo com a missão de remexer a equipe, de tirar os jogadores da zona de conforto e dar um padrão de jogo à equipe, após a desastrosa passagem de Renato Gaúcho. O viseense largou seu trabalho na seleção da Polônia, pagou a multa rescisória e veio para o Brasil cumprir a desafiadora empreitada. 

Paulo Sousa promoveu jogadores da base, afastou medalhões como Diego Ribas e Diego Alves, com quem teve um desentendimento que merece outro post. Só que PS nunca conseguiu implantar seu estilo posicional, enfrentou resistência das estrelas e seria defenestrado antes, não fosse uma parte grande da torcida abraça-lo.

Na minha visão, Paulo deu um passo maior do que a perna, com mentalidade europeia (que aceita maus resultados no início do trabalho, desde que haja um vislumbre de melhora), acreditou no respaldo de uma diretoria amadora e, sim, cometeu erros. O maior e último deles, tentar mostrar força, agindo de forma (quase) desrespeitosa com Diego Alves.

Sem querer alongar muito, já alongando, após a situação com Diego Alves ser posta sob panos quentes, o Mister resolveu "dar uma demonstração de quem manda" (minha leitura!): Relacionou Diego Alves para uma partida, deixou o atleta ir para a concentração e para o aquecimento antes do jogo e apenas no vestiário que o goleiro nem ficaria no banco de reservas.

Bola fora de Paulo Sousa que o afastou de vez do elenco e ajudou a efetivar sua saída após um mau resultado.

Obs: A título de informação, o Flamengo já anunciou o "novo" treinador, Dorival Júnior. Eu dou um pedaço de mariola mascado para quem adivinhar com qual jogador este técnico teve problemas na sua passagem pelo clube em 2018. (Dica: este jogador também teve problemas em sua passagem pelo Valencia da Espanha).

Para concluir, eu acredito que 2019 tenha sido uma grande (desculpe) cagada (no bom sentido) do Futebol do Flamengo. Uma verdadeira conjunção de fatores que transformou o time naquela máquina de moer adversários. Um técnico muito bom (a gente pode discutir o lado pessoal em outro momento), um grupo talentoso (7 ou 8 jogadores capazes de decidir uma partida!), com fome de bola, um Departamento Médico fantástico (mesmo com Márcio Tanure à frente) e um clube com as finanças em dia, salários bons e pagos à termo, algo que dificilmente veremos acontecer outra vez.

Fique bem.