Katerra: um ano depois da queda
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Katerra: um ano depois da queda

#0053: Talvez precursora de um movimento de trocar investimentos em rodadas mais avançadas por seed stages, a queda da Katerra felizmente não desestimulou a industrialização da construção.

Tiago Ricotta
6 min
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#0053: Talvez precursora de um movimento de trocar investimentos em rodadas mais avançadas por seed stages, a queda da Katerra felizmente não desestimulou a industrialização da construção.

Learning by mistakes (1/7)

Belo projeto e execução.
Belo projeto e execução.

Quase um ano atrás publicava um dos textos mais acessados deste canal chamado as lições da Katerra que buscava aprender com a queda daquela que tinha tudo para ser a construtech que iria disruptar a construção civil.

Na ânsia do crescimento acelerado muitas vezes é preciso dar tempo ao tempo para que os processos sejam amadurecidos e o aprendizado dos erros seja assimilado pelos times de projetos, não existe atalho para o sucesso mesmo quando você “ganha” na loteria um cheque de U$ 2 bilhões do Softbank.

Diante da falta de foco através de um pãozinho quente que trouxesse um faturamento capaz de expandir saudavelmente o negócio em várias outras direções, um ano depois parece que o que aconteceu com a Katerra não impactou negativamente o mercado de industrialização da construção.

No Brasil, por exemplo, acabamos de ter a Expo Construção Offsite com grande movimento e interesse de vários profissionais e fabricantes de materiais. Se o interesse permanece qual o objetivo do texto de hoje?

Bom, a resposta é simples, um ano depois, o que aconteceu com o espólio da Katerra e seu processo de falência? Vamos desvendar o que sabemos até o momento.

Mercer International (2/7)

Fábrica de Spokane Valley
Fábrica de Spokane Valley

Um dos principais espólios da Katerra era sua fábrica de CLT (Cross Laminated Timber) localizada no Spokane Valley, perto de Seattle.

Logo a Mercer International Inc. – uma gigante global de celulose e produtos florestais – aproveitou a pechincha e se expandiu para a produção de CLT com a aquisição da fábrica.

A empresa recebeu em agosto de 2021 a aprovação de um tribunal de falências dos EUA para comprar a fábrica de 25.000m² por US$ 50 milhões. A fábrica possui tecnologias de automação de última geração e é capaz de produzir anualmente mais de 140.000 metros cúbicos de CLT, sendo a maior fábrica do tipo nos Estados Unidos.

Muitos outros acordos estão em andamento, mas é bom ver que tanta tecnologia investida em um dos processos mais fascinantes de industrialização, que é a fabricação de CLT, pôde ser continuada e operada mesmo depois da falência da Katerra.

A Europa é o principal mercado de CLT atualmente, mas nos Estados Unidos há uma demanda crescente e no Brasil podemos dizer com orgulho que temos um belíssimo centro de produção no estado de São Paulo.

Former Katerra & Modulous (3/7)

É verdade que nem tudo se perdeu, pois em outubro do ano passado ex-funcionários da Katerra levaram para Seattle a construtech inglesa Modulous em que a ideia é muito similar à da falida startup: padronizar o máximo possível de componentes, integrar cadeias produtivas e industrializar a construção.

A ideia central da Modulous pode ser destacada em uma entrevista do Principal Data Architect da startup, Doug Jeffery:

Bem, se você pensar em MMC, ou Métodos Modernos de Construção, trata-se de fazer as coisas melhores, mais rápido e com mais eficiência. E se você quiser todos os três de uma vez, você precisa ter dados para habilitá-lo. Como exemplo, digamos que no futuro você queira construir 10.000 casas no tempo que leva atualmente para construir 1.000. Você não pode alcançar essa escala com os métodos manuais atuais. Mas se os dados fluírem, você pode começar a executar processos que tiram as pessoas da equação e aproveitam o poder das máquinas. Você pode obter um design inteligente e um custo inteligente. Portanto, nosso objetivo é usar dados para aumentar o ritmo e aumentar a escala por meio da automação e da integração inteligente.

A diferença do processo da Katerra é o pace da companhia em relação a rodadas de investimentos e número de funcionários com 5 anos de vida (no momento parecem tentar entrar em um series A). Atualmente a construtech tem 50 colaboradores e esta para lançar um software proprietário para arquitetos e engenheiros criarem seus kits com base na tecnologia da empresa (tudo baseado em dados, claro).

VBC (4/7)

Fábrica de Tracy na Califórnia
Fábrica de Tracy na Califórnia

Outra empresa que parece que enxergou uma boa oportunidade no processo de falência da Katerra foi a Volumetric Building Companies – VBC – baseada na Philadelphia (go Eagles).

A empresa aproveitou a oportunidade que apareceu para comprar por U$ 25 milhões uma fábrica de montagem de módulos localizada em Tracy, na California, com mais de 50 mil metros quadrados.

O interessante da aquisição pela VBC é que seu CEO, Vaughn Buckley, diz que com a fábrica no estado da arte de produção modular que vai adquirir da Katerra seria possível diminuir de 23 semanas para 3 semanas o prazo de entrega de módulos em alguns casos.

O prazo é reduzido não pela eficiência do processo, mas atualmente a demanda é tão grande por módulos nos EUA que a capacidade de fabricação americana não consegue atender a todos os pedidos, desta forma ter uma fábrica novinha e com tecnologia de ponta vai ajudar a aliviar a pressão.

Processinhos (5/7)

Óbvio que com um processo de falência em curso uma auditoria na empresa precisaria ser feita e a PwC foi a big four escolhida para o processo e levantou algumas coisas interessantes do gerenciamento da empresa.

O relatório da PwC apontou que algumas aquisições e clientes da empresa eram de propriedade dos próprios diretores do board da companhia, além de uso de dinheiro de investidores para alugar jatinhos para ver a jararaca Stephen Cury chutar bolas de três do fundo da quadra em jogos do Golden State Warriors.

Enquanto a turma de cima se divertia temos também a parte triste da história que é a ação movida por ex-funcionários e fornecedores que ficaram sem receber e buscaram na justiça americana seus direitos.

Esperar para ver onde tudo isso vai parar.

Legado (6/7)

CLT para todo canto
CLT para todo canto

Obviamente, um ano depois, já é possível sentir um pouco do legado da empresa no mundo de Arquitetura, Engenharia e construtechs.

A Katerra era, nas palavras de Paul Graham, assustadoramente ambiciosa. Ela planejava oferecer produtos que pudessem cobrir 80% do ambiente construído e recrutou muita gente para fazer isso ser realidade.

Não é difícil encontrar ex-colaboradores da Katerra que consideram um dos trabalhos mais valiosos e significativos que já fizeram e com aquele sentimento de que foi legal tentar resolver o problema da ineficiência da construção.

Talvez este seja um dos principais legados da construtech: com o tamanho do investimento feito em várias áreas, muito conhecimento foi gerado e com o devido conserto dos erros cometidos pode ter certeza de que várias empresas vão se beneficiar deste caldo de conhecimento.

Vide o que Mercer, VBC e Modulous já vão colher de adquirir plantas ou pessoas que estavam no time da empresa, com certeza vão surgir muitas outras empresas mais focadas e que vão conseguir evoluir a partir do conhecimento que foi gerado lá.

Futuro (7/7)

O futuro da industrialização da construção parece estar caminhando para sairmos do estado inovadores para o estado early adopters na curva de inovação.

Nos próximos cinco anos com o amadurecimento do processo de construção industrializada e aprendizados de manutenção das construções já executadas poderemos passar para o estado early majority com certa rapidez, principalmente se a batalha da tributação for vencida no Brasil e o conhecimento de desenvolver projetos industrializados for difundido.

Atualmente ainda é um pouco salgado industrializar a construção e acaba valendo muito a pena para quem tem que botar uma construção de pé o mais rápido possível e já necessita começar a faturar.

Vamos ver o que vai acontecer e como as coisas vão evoluir, para ficar por dentro do que ocorre em inovação em AEC basta seguir o canal e acompanhar nosso conteúdo:

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Obrigado,

Abs.

Tiago Ricotta

Publicado em 09 de Junho de 2022 às 16:57