A natureza da compaixão
0
0

A natureza da compaixão

A natureza da compaixão.

anderson12/22/2021
13 min
0
0

A natureza da compaixão.

Tendo ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um

lago profundo. Sua situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do

lago, às vezes calmo, às vezes cheio de ondas por causa do vento, conforme os períodos e

as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno. Você é esse lago por inteiro, não

apenas a superfície, e está em contato com a sua própria profundidade, que permanece

absolutamente serena. Você não reage a uma mudança ao se apegar mentalmente a

qualquer situação. A sua paz interior não depende dela. Você se fixa no Ser – imutável,

eterno, imortal – e não é mais dependente da satisfação ou da felicidade do mundo exterior,

das formas constantemente flutuantes. Você pode desfrutá-las, brincar com elas, criar

novas formas, apreciar a beleza de todas. Mas não tem mais necessidade de se apegar a

nenhuma delas.

Quando você consegue se desprender desse jeito, não significa que também se distancia dos outros seres

humanos?

Pelo contrário. Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros

seres humanos vai causar uma ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A

mente vai gostar ou não da forma deles, não só do corpo, mas também da mente deles. O

verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma consciência do Ser. A partir do

Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma tela, por trás

da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você sente a sua. Assim, ao se

confrontar com o sofrimento de outra pessoa ou com um comportamento inconsciente,

você fica presente e em contato com o Ser e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e

sentir o Ser radiante e puro da outra pessoa. No nível do Ser, todo sofrimento é visto como

uma ilusão, uma conseqüência da identificação com a forma. Milagres de cura às vezes

acontecem através dessa descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros

– se estiverem prontos.

Isso é compaixão?

Sim. A compaixão é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas.

Mas existem dois lados da compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como ainda

estamos aqui como um corpo físico, partilhamos a vulnerabilidade e a mortalidade da nossa

forma física com todos os outros seres humanos e todos os seres vivos. Na próxima vez

que disser “Não tenho nada em comum com essa pessoa”, lembre-se de que você tem

muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos – dois ou setenta, não faz muita diferença –,

os dois terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada restará. Isso é uma

percepção humilde e sensata que não deixa muito espaço para o orgulho. Isso é um

pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar os olhos para isso? Nesse

sentido há uma completa igualdade entre você e todas as outras criaturas.

Uma das mais poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a

mortalidade das formas físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você

morra. Vá fundo nisso. A sua forma física está se dissolvendo, é nada. Então surge um

momento quando todas as formas mentais ou pensamentos também morrem. Mas você

ainda está lá – a presença divina que você é, radiante, completamente consciente. Nada que

é real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.

A realização dessa dimensão eterna, a nossa verdadeira natureza, é o outro lado da

compaixão. Em um nível mais profundo, podemos reconhecer agora não só a nossa

própria imortalidade, mas também a de todas as outras criaturas. No nível da forma,

partilhamos a mortalidade e a precariedade da existência. No nível do Ser, partilhamos a

vida eterna e radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os

sentimentos de tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só e se

transformam em uma profunda paz interior. Isso é a paz de Deus. É um dos mais nobres

sentimentos de que os homens são capazes e possui um grande poder de cura e

transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever, ainda é rara. Ter

uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um alto nível de consciência,

mas representa apenas um lado da compaixão. Não é completo. A verdadeira compaixão

vai além da empatia ou da simpatia. Não acontece até que a tristeza se misture com a

alegria, a alegria do Ser além da forma, a alegria da vida eterna.

Em direção a uma ordem de realidade diferente.

Não concordo que o corpo precise morrer. Estou convencido de que podemos obter a imortalidade

física. Acreditamos na morte e é por isso que o corpo morre.

O corpo não morre porque acreditamos na morte. O corpo existe, ou assim parece,

porque acreditamos na morte. O corpo e a morte são partes da mesma ilusão, criada pelo

modo egóico de consciência, que não tem percepção da Fonte da vida e vê a si mesmo 

como uma coisa separada e sob constante ameaça. Assim, ele cria a ilusão de que somos

um corpo, um veículo físico e sólido, que está sob uma constante ameaça.

A ilusão está em percebermos a nós mesmos como um corpo vulnerável, que nasce e

pouco depois morre. Corpo e morte: uma ilusão. Um não existe sem o outro. Queremos

manter um lado da ilusão e nos livrarmos do outro, mas isso é impossível.

Entretanto, você não pode escapar do corpo, nem tem de fazer isso. O corpo é uma

percepção incrivelmente distorcida da nossa verdadeira natureza. Mas a nossa verdadeira

natureza está disfarçada em algum lugar dentro dessa ilusão, não do lado de fora, portanto

o corpo ainda é o único ponto de acesso a ela.

Se você vê um anjo, mas o confunde com uma estátua de pedra, tudo o que você

precisa fazer é adaptar a sua visão e olhar mais de perto para a “estátua de pedra”, e não

olhar para outro lado. Você então percebe que aquilo nunca foi uma estátua de pedra.

Se a crença na morte cria o corpo, por que um animal tem corpo? Um animal não tem um ego e não

acredita na morte...

Mas ele morre, ou parece que morre.

Lembre-se de que a nossa percepção do mundo é um reflexo do nosso estado de

consciência. Não estamos separados dele e não há um mundo objetivo fora dele. A cada

momento, a nossa consciência cria o mundo em que habitamos. Um dos maiores insights

que a física moderna teve foi o da unidade entre o observador e o observado: a pessoa que

conduz a experiência – a consciência observadora – não pode ser separada dos fenômenos

observados, e uma nova maneira de olhar leva os fenômenos observados a se comportarem

de maneira diferente. Se você acredita na separação e na luta pela sobrevivência, vê essa

crença refletida à sua volta e as suas percepções acabam sendo governadas pelo medo.

Você vive num mundo de morte, lutas, uns atacando e matando os outros.

Nada é o que parece ser. O mundo que você criou e vê através da mente pode parecer

um lugar bem imperfeito, até mesmo um vale de lágrimas. Mas o que quer que você

perceba é somente uma espécie de símbolo, como uma imagem em um sonho. É o jeito

pelo qual a sua consciência interpreta e interage com a dança de energia molecular do

universo. Essa energia é o material bruto da assim chamada realidade física. Você a vê em

termos de corpos e de nascimento e morte, ou como uma luta pela sobrevivência. Existe

um número infinito de interpretações diferentes, de mundos completamente diferentes,

tudo dependendo do que a consciência percebe. Cada ser é um ponto focal da consciência

e cada ponto focal cria o seu próprio mundo, embora todos esses mundos se interliguem.

Existe um mundo humano, um mundo das formigas, um mundo dos golfinhos, etc.

Existem incontáveis seres cuja freqüência de consciência é tão diferente da nossa que

provavelmente não temos consciência da existência deles, assim como eles não têm da

nossa. Seres altamente conscientes da ligação que mantêm com a Fonte habitam um

mundo que para nós pareceria com um domínio celeste. Mas ainda assim todos os mundos

são basicamente um só.

No momento em que a consciência humana coletiva tiver se transformado, a natureza

e o reino animal irão refletir essa transformação. Aqui está a afirmação da Bíblia de que no 

futuro “o leão vai se deitar ao lado da ovelha”. Isso aponta para a possibilidade de um

ordenamento da realidade completamente diferente.

O mundo tal qual se apresenta para nós é em grande parte um reflexo da mente.

Sendo o medo uma conseqüência inevitável da ilusão criada pelo ego, é um mundo

dominado pelo medo. Assim como as imagens em um sonho são símbolos dos estados

interiores e dos sentimentos, assim a nossa realidade coletiva é uma expressão simbólica do

medo e das pesadas camadas de negatividade até agora acumuladas na psique coletiva

humana. Não estamos separados do nosso mundo, então, quando a maioria dos humanos

se tornar livre da ilusão egóica, essa mudança interior vai afetar toda a criação. Vamos,

literalmente, viver em um novo mundo. É uma mudança na consciência do planeta. O

estranho ensinamento budista que toda árvore e toda folha de grama irão finalmente se

tornar iluminadas aponta para a mesma verdade. De acordo com São Paulo, toda a criação

está à espera de que os homens obtenham a iluminação. É assim que interpreto suas

palavras: “A criação aguarda, com impaciência, a revelação dos filhos de Deus”. São Paulo

diz que todo o universo vai se redimir através disso, ao escrever: “Sabemos, com efeito,

que a criação inteira geme, ainda agora, com as dores do parto”.

O que está nascendo é uma nova consciência e, como um reflexo inevitável, um novo

mundo. Isso também está relatado no Livro das Revelações do Novo Testamento: “Vi,

então, um novo Céu e uma nova Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra

desapareceram...”

Mas não confunda causa e efeito. Nossa primeira tarefa não é buscar a salvação

através da criação de um mundo melhor, mas sim despertar da nossa identificação com a

forma. Não estamos mais presos a este mundo, a este nível de realidade. Podemos sentir

nossas raízes no Não Manifesto e assim estamos livres do apego ao mundo manifesto.

Ainda podemos desfrutar os prazeres passageiros deste mundo, mas não somos mais

escravos dessas experiências, não estamos mais em busca de satisfação através de uma

gratificação psicológica, através da alimentação do ego. Não temos mais medo de perder

alguma coisa, portanto não precisamos nos apegar a este mundo. Estamos em contato com

algo infinitamente maior do que qualquer prazer, maior do que qualquer coisa manifesta.

Em um certo sentido, não precisamos mais do mundo e nem mesmo que ele seja diferente

do que é.

É neste ponto que você começa a dar uma contribuição real para criar um mundo

melhor, uma nova realidade. É neste ponto que você se torna capaz de sentir a verdadeira

compaixão e de ajudar os outros. Somente aqueles que transcenderam o mundo conseguem

criar um mundo melhor.

Você deve lembrar que já falamos sobre a dualidade da verdadeira compaixão, que é a

percepção de uma ligação tanto com a mortalidade quanto com a imortalidade. Nesse nível

profundo, a compaixão se torna um remédio no sentido mais amplo. Nesse estado, a sua

influência curativa se baseia não no fazer, mas no ser. Todas as pessoas com quem você

mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você emana, quer

elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver inteiramente presente e as pessoas à

sua volta tiverem um comportamento inconsciente, você não vai sentir necessidade de

reagir. A sua paz será tão grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela,

como se nunca tivesse existido. Isso quebra o ciclo cármico de ação e reação. Os animais,

as árvores, as flores vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você ensinará através do ser, através 

da demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a “luz do mundo”, uma emanação da

pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento. Você eliminará a inconsciência

do mundo.

Isso não significa que você não possa também ensinar através da ação – por exemplo,

ao apontar como se desidentificar da mente, reconhecer padrões inconscientes no interior

de alguém, etc. Mas quem você é será sempre um ensinamento transformador do mundo

mais vital e mais poderoso do que o que você disser, e até mais essencial do que o que você

fizer. Além disso, reconhecer a primazia do Ser – e assim trabalhar no nível da causa – não

exclui a possibilidade de que a sua compaixão possa simultaneamente se manifestar no

nível da ação e do efeito, ao aliviar o sofrimento sempre que você o encontrar. Quando

alguém faminto lhe pedir pão e você tiver, você vai dar. Mas, ao dar o pão, mesmo que o

seu contato seja muito breve, o mais importante será esse momento do Ser partilhado, do

qual o pão é apenas um símbolo. Uma cura profunda se instala internamente. Nesse

momento, não há doador nem receptor.

Como podemos criar um mundo melhor sem acabar primeiro com grandes males, como a fome e a

violência?

Todos os males são efeito da inconsciência. Podemos aliviar os efeitos da

inconsciência, mas não podemos eliminá-los, a menos que eliminemos sua causa. A

verdadeira transformação acontece no interior, não no exterior.

Querer aliviar o sofrimento do mundo é uma coisa muito nobre, mas lembre-se de

não se concentrar exclusivamente no exterior, do contrário você vai sentir frustração e

desespero. Sem uma profunda mudança na consciência humana, o sofrimento é um buraco

sem fundo. Portanto, não permita que a sua compaixão se torne unilateral. A empatia com

o sofrimento do outro e o desejo de ajudar devem ser equilibrados com uma profunda

percepção da natureza eterna de todas as coisas e com a consciência do aspecto ilusório de

todos os sofrimentos. Permita que a sua paz inunde tudo o que você fizer e estará atuando

sobre o efeito e a causa ao mesmo tempo.

Se quiser impedir que os seres humanos destruam uns aos outros e acabem com o

planeta, lembre-se de que, assim como não consegue combater a escuridão, você também

não pode combater a inconsciência. Se tentar fazer isso, a oposição polar vai se tornar

fortalecida e mais profundamente arraigada. Você vai se identificar com uma das

polaridades, vai criar um “inimigo” e será conduzido ao seu eu interior inconsciente. Eleve

a consciência ao disseminar a informação, ou melhor, pratique a resistência passiva. Mas

tenha a certeza de que você não carrega nenhuma resistência interior, nenhum ódio,

nenhuma negatividade. “Ame os seus inimigos”, disse Jesus. O que, obviamente, significa:

não tenha inimigos. 

Uma vez que você se envolva em atuar no nível do efeito, é muito fácil se perder

dentro dele. Fique alerta e muito, muito presente. A causa tem de permanecer o seu foco

inicial; o ensinamento da iluminação, o seu propósito principal, e a paz, o seu mais precioso

presente para o mundo.

Support
More Options