capítulo nove
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capítulo nove

capítulo nove.

anderson12/22/2021
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capítulo nove.

MUITO ALÉM DA FELICIDADE E DA INFELICIDADE EXISTE A PAZ.

O bem supremo além do bem e do mal.

Existe diferença entre felicidade e paz interior?

Existe. A felicidade depende de circunstâncias consideradas positivas, ao passo que a

paz interior não precisa delas.

Há possibilidade de só atrairmos coisas positivas para as nossas vidas? Se a nossa atitude e o nosso

pensamento forem sempre positivos, só haverá situações e acontecimentos positivos, não é mesmo?

Você pode afirmar, com certeza, o que é positivo e o que é negativo? Já fez o

levantamento completo? Muitas pessoas devem ter aprendido bastante com as suas

próprias limitações, seus fracassos, suas perdas, suas doenças e sofrimentos. Tudo isso

ensinou-as a se desfazer das imagens falsas que tinham de si mesmas, dos desejos e

objetivos superficiais ditados pelo ego e lhes deu profundidade, humildade e compaixão.

Fez delas pessoas mais reais.

Sempre que acontece alguma coisa negativa, há sempre uma lição embutida, embora

nem sempre se perceba isso na hora. Uma doença ou um acidente pode mostrar o que há

de real ou irreal em uma situação, aquilo que é importante e o que não é.

De uma perspectiva mais elevada, as circunstâncias são sempre positivas. Para ser mais

preciso, elas não são positivas nem negativas. São do jeito que são. E quando aceitamos as

coisas como são, o “bem” ou o “mal” deixam de existir em nossas vidas. Só o que existe é

um bem supremo, que inclui o “mal”. Mas, pela perspectiva da mente, existe o bem e o

mal, o igual e o diferente, o amor e o ódio. É por isso que no Livro do Gênesis está escrito

que Adão e Eva não tiveram mais permissão para habitar o “paraíso” quando “comeram da

árvore do conhecimento do bem e do mal”.

Isso me parece negação e ilusão. Quando alguma coisa ruim acontece comigo, ou com alguém chegado

a mim, tal como um acidente, uma doença, ou a morte, posso até fingir que não é mal mas permanece o fato

de que isso é mal. Por que negar?

Você não está fingindo nada. Só está permitindo uma coisa ser como é, apenas isso.

Essa “permissão para ser” nos transporta para além da mente, com os seus padrões de

resistência que geram as polaridades positiva e negativa. É um aspecto fundamental do

perdão. Perdoar o presente é até mais importante do que perdoar o passado. Se 

perdoarmos cada momento, se permitirmos que ele seja como é, não haverá nenhum

acúmulo de ressentimento a ser perdoado mais tarde.

Lembre-se de que não estamos aqui tratando de felicidade. Por exemplo, quando a

pessoa amada acabou de morrer, ou se sentimos a nossa própria morte se aproximar, não

podemos nos sentir felizes. É impossível. Mas podemos estar em paz. Pode até haver tristeza

e lágrimas, mas, se deixarmos de resistir, conseguiremos perceber uma profunda serenidade

por baixo da tristeza, uma calma, uma presença sagrada. Isso é a emanação do Ser, isso é a

paz interior, o bem que não tem opositores.

E se for uma situação sobre a qual eu possa fazer algo a respeito? Como posso permitir que ela

exista e mudá-la ao mesmo tempo?

Faça o que você tem de fazer. Enquanto isso, aceite o que é. Como mente e resistência

significam a mesma coisa para nós, aceitar aquilo que acontece nos liberta na mesma hora

do domínio da mente e restabelece a nossa conexão com o Ser. Como resultado, as

costumeiras motivações do ego para “agir”, como o medo, a cobiça, o controle, a defesa ou

a alimentação do falso sentido do ego, não vão mais funcionar. Uma inteligência muito

maior do que a mente passa a dominar tudo e, com isso, uma diferente qualidade de

consciência vai influenciar as nossas ações.

“Aceite o que quer que venha para você nas tramas do destino, pois o que se ajustaria

mais adequadamente às suas necessidades?” Isso foi escrito há dois mil anos por Marco

Aurélio, um homem extraordinário que, além de poderoso, tinha uma grande sabedoria.

Parece que a maioria das pessoas precisa vivenciar uma grande carga de sofrimento

antes de abandonar a resistência e aceitar, isto é, antes de perdoar. Com o perdão, acontece

o milagre do despertar da consciência do Ser, através do que aparenta ser o mal: a

transformação do sofrimento em paz interior. Todo o mal e todo o sofrimento do mundo

vão nos forçar a descobrir quem somos realmente. Assim, aquilo que, de uma perspectiva

limitada, percebemos como o mal é, na verdade, parte de um bem maior que não tem

opositores. Entretanto, isso só se torna uma verdade através do perdão. Sem ele, o mal

permanece como mal.

Através do perdão – que significa reconhecer a falta de consistência do passado e

permitir que o momento presente seja como é –, acontece o milagre da transformação, não

só no lado de dentro, mas também do lado de fora. Um espaço silencioso de uma presença

intensa surge dentro de nós e à nossa volta. Quem quer e o que for que penetre no campo

da consciência será afetado, algumas vezes de forma clara e imediata, outras em níveis mais

profundos, com mudanças só notadas algum tempo depois. Você dissolve a discórdia, cura

o sofrimento, desfaz a inconsciência, sem fazer nada, simplesmente sendo e sustentando essa

freqüência de presença intensa.

O fim dos dramas em sua vida

Nesse estado de aceitação e paz interior, pode aparecer alguma coisa na vida para ser chamada de

“má”, da perspectiva da consciência comum?

Muitas das assim chamadas coisas más que nos acontecem na vida são devidas à

inconsciência. Elas são criadas por nós, ou melhor, são criadas pelo ego. Refiro-me a isso,

às vezes, como “drama”. Quando restabelecemos a conexão com o Ser e não deixamos

mais a mente governar, paramos de criar essas coisas.

Mas há muitas pessoas que se apaixonam pelos seus dramas particulares de vida.

Identificam-se com suas histórias. O ego governa a vida delas. Investiram nele todo o

sentido de eu interior. Até mesmo a busca de uma resposta, de uma solução, ou de uma

cura se torna parte dele. O que mais temem é que seus dramas tenham um fim. Enquanto

essas pessoas forem a mente, seu maior medo será o próprio despertar.

Quando vivemos em uma completa aceitação do que é, todos os dramas da nossa vida

chegam ao fim. Ninguém consegue ter a mais leve discussão conosco, não importa quanto

tente. Não se pode discutir com alguém completamente consciente. Uma discussão implica

uma identificação com a mente e uma determinada posição mental, tal como resistência e

reação às posições da outra pessoa. O resultado é que as polaridades opostas ficam

mutuamente energizadas. Esses são os mecanismos da inconsciência. Ainda podemos

estabelecer o nosso ponto de vista de modo claro e firme, mas não haverá nenhuma força

reagindo ao fundo, nenhuma defesa e nenhuma agressão. Assim, não se transformará em

um drama. Quando estamos completamente conscientes, deixamos de estar em conflito.

“Ninguém que esteja em unidade consigo mesmo consegue pensar em conflito”, diz o livro

A Course in Miracles (Um curso em milagres). O livro se refere não só ao conflito com

outras pessoas, mas, fundamentalmente, ao conflito dentro de nós, que deixa de existir

quando não há mais nenhum desacordo entre as buscas e expectativas da nossa mente e

aquilo que é.

A impermanência e os ciclos da vida

Enquanto permanecermos na dimensão física e em conexão com a psique humana

coletiva, o sofrimento, embora raro, ainda pode acontecer. Não devemos confundi-lo com

o sofrimento emocional. Todo sofrimento é criado pelo ego e fruto de uma resistência.

Além disso, nessa dimensão, ainda nos sujeitamos à natureza cíclica e à lei da

impermanência de todas as coisas, mas já não vemos mais o sofrimento como uma coisa

“má”. Ele simplesmente é.

Ao permitir o “existir” de todas as coisas, uma dimensão mais profunda, por baixo do

jogo dos opostos, se revela para nós como uma presença permanente, uma serenidade

profunda e estável, uma alegria sem motivos que se situa além do bem e do mal. Essa é a

alegria do Ser, a paz de Deus.

No nível da forma existe nascimento e morte, criação e destruição, crescimento e

dissolução de espécies aparentemente independentes. Podemos ver isso em tudo: no ciclo

da vida de uma estrela ou de um planeta, em um corpo físico, em uma árvore, em uma flor;

na ascensão e queda de nações, de sistemas políticos e de civilizações, e também nos

inevitáveis ciclos de lucros e perdas que temos na vida.

Existem ciclos de sucesso, como quando as coisas acontecem e dão certo, e ciclos de

fracasso, quando elas não vão bem e se desintegram. Você tem de permitir que elas

terminem, dando espaço para que coisas novas aconteçam ou se transformem. Se nos

apegamos às situações e oferecemos uma resistência nesse estágio, significa que estamos

nos recusando a acompanhar o fluxo da vida e que vamos sofrer.

Não é verdade que o ciclo ascendente seja bom e o ciclo descendente seja ruim, a não

ser no julgamento da mente. O crescimento é, em geral, considerado positivo, mas nada

pode crescer para sempre. Se o crescimento nunca tivesse fim, poderia acabar em algo

monstruoso e destrutivo. É necessário que as coisas acabem, para que coisas novas

aconteçam.

O ciclo descendente é absolutamente essencial para uma realização espiritual. Você

tem de ter falhado gravemente de algum modo, ou passado por alguma perda profunda, ou

algum sofrimento, para ser conduzido à dimensão espiritual. Ou talvez o seu sucesso tenha

se tornado vazio e sem sentido e se transformado em fracasso. O fracasso está sempre

embutido no sucesso, assim como o sucesso está sempre encoberto pelo fracasso. No

mundo da forma, todas as pessoas “fracassam” mais cedo ou mais tarde, e toda conquista

acaba em derrota. Todas as formas são impermanentes.

Você pode ser ativo e apreciar a criação de novas formas e circunstâncias, mas não se

sentirá identificado com elas. Você não precisa delas para obter um sentido de eu interior.

Elas não são a sua vida, pertencem à sua situação de vida.

Nossa energia física também está sujeita a ciclos. Não consegue estar sempre no

máximo. Teremos momentos de baixa e de alta energia. Em alguns períodos, estaremos

altamente ativos e criativos, mas em outros tudo vai parecer estagnado, teremos a

impressão de não estarmos indo a lugar nenhum, nem conseguindo nada. Um ciclo pode

durar de algumas horas a alguns anos e dentro dele pode haver ciclos longos ou curtos.

Muitas doenças são provocadas pela luta contra os ciclos de baixa energia, que são

fundamentais para uma renovação. Enquanto estivermos identificados com a mente, não

poderemos evitar a compulsão de fazer coisas e a tendência para extrair o nosso valor de

fatores externos, tais como as conquistas que alcançamos. Isso torna difícil ou impossível

para nós aceitarmos os ciclos de baixa e permitirmos que eles aconteçam. Assim, a

inteligência do organismo pode assumir o controle, como uma medida autoprotetora, e

criar uma doença com o objetivo de nos forçar a parar, de modo a permitir que uma

necessária renovação possa acontecer.

A natureza cíclica do universo está intimamente ligada à impermanência de todas as

coisas e situações. Buda fez disso uma parte central de seu ensinamento. Todas as

circunstâncias são altamente instáveis e estão em um fluxo constante, ou, como ele

colocou, a impermanência é uma característica de cada circunstância, de cada situação com

que vamos nos deparar na vida. Elas vão se modificar, desaparecer, ou deixar de

proporcionar prazer. A impermanência também é um ponto central dos ensinamentos de

Jesus: “Não acumule tesouros na terra, onde as traças e a ferrugem arruínam tudo, onde os

ladrões arrombam as paredes para roubar...”

Enquanto a mente julgar uma circunstância “boa”, seja um relacionamento, uma

propriedade, um papel social, um lugar, ou o nosso corpo físico, ela se apega e se identifica

com ela. Isso faz você se sentir bem em relação a si mesmo e pode se tornar parte de quem

você é ou pensa que é. Mas nada dura muito nessa dimensão, onde as traças e a ferrugem

devoram tudo. Tudo acaba ou se transforma: a mesma condição que era boa no passado,

de repente, se torna ruim. A prosperidade de hoje se torna o consumismo vazio de amanhã.

O casamento feliz e a lua-de-mel se transformam no divórcio infeliz ou em uma

convivência infeliz. A mente não consegue aceitar quando uma situação com a qual ela

tenha se apegado muda ou desaparece. Ela vai resistir à mudança. É quase como se um

membro estivesse sendo arrancado do seu corpo.

Às vezes ouvimos falar de pessoas que cometeram suicídio porque perderam a

fortuna ou tiveram sua reputação arruinada. Esses são casos extremos. Outras pessoas, ao

sofrer uma grande perda, tornam-se profundamente infelizes ou adoecem. Não conseguem

distinguir a vida da situação de vida. Li recentemente sobre uma famosa atriz que morreu

depois dos oitenta anos e foi ficando cada vez mais infeliz e reclusa conforme envelhecia.

Ela estava identificada com uma circunstância: a sua aparência externa. No início, isso lhe

deu um sentido feliz do eu interior, depois um sentido infeliz. Se tivesse sido capaz de se

conectar com a vida interior, que é dissociada da forma e do tempo, ela poderia ter aceitado

o desaparecimento da beleza, observando-a de um lugar de serenidade e paz. Além do

mais, sua aparência teria se tornado cada vez mais transparente à luz que brilha através da

verdadeira natureza, de modo que a beleza externa não teria sumido, mas se transformado

em beleza espiritual. Porém, ninguém contou a ela que isso era possível. O tipo de

conhecimento mais básico ainda não está ao alcance de todos.

Buda ensinou que até mesmo a felicidade pessoal é dukka – uma palavra da língua páli

que significa “sofrimento” ou “insatisfação”. Ela é inseparável do seu oposto. Significa que

a felicidade e a infelicidade são, na verdade, uma coisa só. Somente a ilusão do tempo as

separa.

Isso não significa uma negatividade. É simplesmente reconhecer a natureza das coisas,

para não viver atrás de uma ilusão pelo resto da vida. Nem quer dizer que você não deva

mais apreciar os objetos e as circunstâncias agradáveis e bonitas. Porém, usá-los para

procurar aquilo que não podem dar – uma identidade, um sentido de permanência e

satisfação – é uma receita para a frustração e o sofrimento. Toda a indústria da propaganda

e a sociedade de consumo entrariam em colapso se as pessoas se tornassem iluminadas e

deixassem de tentar encontrar as suas identidades através dos objetos. Quanto mais usarmos

esse caminho para encontrar a felicidade, mais estaremos nos iludindo. Nada lá fora vai

conseguir nos trazer satisfação, exceto por um tempo e de modo superficial. Mas talvez

você precise passar por muitas decepções antes de perceber a verdade. Os objetos e as

circunstâncias podem lhe dar prazer, mas também vão lhe trazer sofrimento. Eles podem

lhe dar prazer, mas não trazer alegria. A alegria não tem uma causa e brota dentro de nós

como a alegria do Ser. É uma parte essencial do estado de paz interior, conhecido como a

paz de Deus. É o nosso estado natural, não algo por que tenhamos de lutar para conseguir.

As pessoas, em geral, não percebem que a “salvação” não está em nada do que façam,

possuam ou consigam. Aquelas que percebem ficam, muitas vezes, enfastiadas do mundo e

deprimidas. Se nada pode lhes dar um verdadeiro prazer, será que resta alguma coisa por

que se empenhar? Com que objetivo? O profeta do Velho Testamento deve ter chegado a

essa conclusão quando escreveu: “Tenho visto tudo o que se faz debaixo do sol e eis que

tudo é vaidade e uma luta contra o vento”. Quando você chega a esse ponto, está a um

passo do desespero e um passo mais longe da iluminação.

Uma vez um monge budista me disse: “Tudo o que aprendi nos vinte anos em que

sou monge pode ser resumido em uma frase: Tudo o que surge, desaparece. Isso eu sei”. O que

ele quis dizer foi o seguinte: aprendi a não oferecer qualquer resistência ao que é; aprendi a

permitir que o momento presente aconteça e a aceitar a natureza impermanente de todas as

coisas e circunstâncias. Foi assim que encontrei a paz.

Não oferecer resistência à vida é estar em estado de graça, de descanso e de luz. Nesse

estado, nada depende de as coisas serem boas ou ruins. É quase paradoxal, mas, como já

não existe mais uma dependência interior quanto à forma, as circunstâncias gerais da sua

vida, as formas externas, tendem a melhorar consideravelmente. As coisas, as pessoas ou as

circunstâncias que você desejava para a sua felicidade vêm agora até você sem qualquer

esforço, e você está livre para apreciá-las enquanto durarem. Todas essas coisas

naturalmente vão acabar, os ciclos virão e irão, mas com o desaparecimento da

dependência não há mais medo de perdas. A vida flui com facilidade.

A felicidade que provém de alguma coisa secundária nunca é muito profunda. É

apenas um pálido reflexo da alegria do Ser, da paz vibrante que encontramos dentro de nós

ao entrarmos no estado de não-resistência. O Ser nos transporta para além das polaridades

opostas da mente e nos liberta da dependência da forma. Mesmo que tudo em volta desabe

e fique em pedaços, você ainda sentirá uma profunda paz interior. Você pode não estar

feliz, mas vai estar em paz.

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