As ligas norte-americanas devem ser modelo pro esporte brasileiro. Como entretenimento estamos muito aquém do possível.
O final de semana dos dias 22 e 23 de Janeiro de 2022 ficará conhecido como "o melhor final de semana da história da NFL"! É quase unânime. Foram 4 jogos definidos na última posse de bola de cada partida, ou seja, todos estavam empatados até os últimos 10 segundos de cada confronto (sendo que um deles foi até a prorrogação). É como se nas quartas-de-final da Copa do Brasil, os 4 jogos da "volta" do mata-mata tivessem os classificados definidos em gols no último lance de cada jogo. Bola na rede e apito final do árbitro. Uma loucura. | ||
Mas o que esse final de semana da NFL (liga de futebol americano dos EUA) tem a ver com o futebol, e esporte em geral, brasileiro? Bem, como disse o filósofo: "Numa sociedade bem organizada os bons devem servir de modelo e os maus de exemplo". | ||
O esporte coletivo norte-americano, a indústria esportiva de lá, possui uma estrutura diferente da maioria do resto do planeta, independente do esporte (futebol americano, futebol soccer, basquete, beisebol, hóquei). Essa "cultura" esportiva é chamada no famoso livro de Ferran Soriano, A Bola Não Entra Por Acaso, de: teoria do equilíbrio competitivo. | ||
"Segundo essa teoria, o interesse dos espectadores e, portanto, a renda gerada, são proporcionais à incerteza pelo resultado, e essa incerteza é maior quanto mais igualdade houver entre os times concorrentes. A incerteza maximiza a renda da competição. Em consequência, a atuação do regulador da competência (Major League Soccer, MLS, no caso do futebol)* consiste em aplicar mecanismos que tendem a igualar os times." | ||
*NBA no caso do basquete, NFL no caso do futebol americano... | ||
Times igualados, jogos equilibrados, incerteza dos resultados, logicamente unidos a outros pontos de fomento, investimento, organização, tendem a tornar o espetáculo (produto) cada vez melhor. O ápice disso foi alcançado pela NFL nesse último final de semana. Mas não duvide, na próxima temporada pode - e deverá - ser melhor. | ||
Os Estados Unidos e suas ligas utilizam-se de mecanismos que alimentam essa competitividade e equilíbrio a cada temporada com suas políticas de montagem de elencos (draft - escolha de atletas vindos das ligas estudantis, salary cap - limite salarial nos elencos) e também de distribuição de renda (direitos, merchandising, marcas). A aplicação de tais mecanismos têm refletido no jogo dentro da NFL. O equilíbrio e alternância de resultados é nítido: | ||
Nas últimas 20 temporadas tivemos 32 times/franquias disputando a liga e 12 campeões diferentes (isso quer dizer que aproximadamente 38% dos times da liga já foram campeões). | ||
Comparando com o Brasileirão: | ||
Nas últimas 20 temporadas tivemos 47 times disputando o Brasileirão Série A e 8 campeões diferentes (apenas 17% dos times que jogaram a 1ª divisão foram campeões). | ||
E além desses números há uma diferença que ao meu ver é crucial: as qualidades DO JOGO e DO PRODUTO melhoram cada vez mais lá ao contrário do que acontece aqui - sendo justo até houve uma melhora no produto aqui nos últimos anos, mas muito aquém do que poderia ser. | ||
Mas será que nós estamos preparados para mudar essa lógica de como encarar uma competição? De como encarar uma liga? De como encarar nossos "adversários"? | ||
O torcedor (e aqui estão muitos dos dirigentes hoje) entende que a lógica da divisão das receitas em partes muito próximas da igualdade beneficia o todo, e que diferente do que acontece hoje (farinha pouca, meu pirão primeiro) é o único caminho pra um produto melhor? E que pra isso, aqueles que hoje estão no topo da pirâmide teriam que abrir mão de algo para que seu adversário também pudesse ocupar o mesmo nível de ganho? E que esse processo teria que ser reproduzido em nível nacional (campeonatos brasileiros A/B/C e D), regional (Copa do Nordeste, Copa Verde) e estadual (campeonatos estaduais). Ou seja, em algum nível, em algum momento, quase todos teriam que abrir mão de algo. | ||
E o que a NFL ou as ligas norte-americanas tem a ver com isso? | ||
"Numa sociedade bem organizada os bons devem servir de modelo e os maus de exemplo" | ||
Não há como copiar a estrutura estadunidense esportiva. Mas há muito o que se olhar e aprender para introduzir no esporte brasileiro. Respeitando sua cultura, valorizando seus entes, resgatando e reverenciando sua história, mas sem perder de vista que o esporte de alto nível já deixou de ser apenas esporte há muito tempo. E como entretenimento, no Brasil, estamos muito aquém da nossa capacidade. | ||
Bom futebol e até a próxima! |