Inteligência Artificial e Storytelling: o problema no comercial da Volks
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Inteligência Artificial e Storytelling: o problema no comercial da Volks

O que Elis Regina Diria Deste Comercial?

Marcelo Andrighetti
4 min
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Muitos fatos marcaram essa semana. A trágica morte de Zé Celso e a votação da Reforma Tributária já bastam pra evidenciar isso. Mas quero falar do comercial da Volks e o perigo da Inteligência Artificial.

Eis o filme de 70 anos da montadora:

Há de se dizer: é um filme bonito. Uma campanha criativa. As imagens que remetem à película são maravilhosas. O figurino, o roteiro, a fotografia. Tudo muito bem alinhado. Teria tudo pra dar certo. E deu.

O problema não está na estética, mas no conceito.

A narrativa construída une passado e presente. São cenas contemporâneas de Maria Rita dirigindo um carro elétrico e, paralelamente, Elis Regina também conduzindo o modelo clássico da Kombi, no passado. As duas cantam a mesma música: "Como Nossos Pais", escrita por Belchior em 1976 e eternizada na voz de Elis.

O vídeo usa "deep fake" e aplica uma técnica de Inteligência Artificial para criar a imagem de Elis Regina jovem, que morreu em 1982, e colocar ela dirigindo o carro lado a lado da filha Maria Rita, atualmente aos 45 anos.

O fato é que essa canção foi um hino contra a ditadura, contra o autoritarismo. Em 1979, Elis subiu ao palco para o "Show de Maio", uma apresentação que arrecadou fundos para a greve dos metalúrgicos do ABC.

Elis no "Show de Maio", em 1979
Elis no "Show de Maio", em 1979

"Há perigo na esquina"

Enquanto isso, a Volks patrocinava a Ditadura da extrema-direita.

  • De fato, a Volkswagem colaborou com o regime violento instaurado no país em 1964. Contribuiu por meio de delações e de entrega de funcionários, mentiu sobre as prisões e o paradeiro das pessoas aos familiares. Em 2020, assinou um acordo com o Ministério Público para o pagamento de indenizações, além de retratação. Pode não ser o suficiente, mas esse ranço com a propaganda parece tão eficaz quanto cancelar artistas do passado com as lentes do presente.

    (Mariliz Pereira Jorge, para Folha de São Paulo)

Ontem, um amigo de longa data me encaminhou pelo Instagram a opinião do jornalista Anderson França. No texto, a palavra que o comunicador utiliza pra dar sua visão é "deboche". De fato, ele tem razão. Ouvi muita gente dizendo que esse comercial seria uma espécie de contrapartida ao passado.

Sejamos menos inocentes.

Existem pessoas que nunca encontraram os corpos de seus familiares que foram mortos pela ditadura. O que a Volks fez é um deboche e assume um papel bastante importante no futuro. O próprio França arrisca um palpite ao expor o problemão que isso poderia ocasionar numa campanha eleitoral.

Num cenário de neurose onde extremistas acreditam em mamadeira de piroca, não seria difícil assistirmos algo descabido pra fraturar alguma imagem ou candidato.

Mas existe um ponto pior que esse: o uso da imagem de Elis. Enquanto milhares de pessoas se emocionam com o comercial durante o Jornal Nacional, o que a artista estaria pensando sobre o uso de sua voz e seu rosto vinculado a uma marca que ajudou a perseguir e matar diversos de seus amigos?

Em imagem gerada por IA, Elis sorri em sua Kombi
Em imagem gerada por IA, Elis sorri em sua Kombi

Já participei ativamente da construção de campanhas publicitárias e institucionais. Neste caso, não irei citar exemplos, mas o fato é que existe grande chance dessa polêmica ter sido construída pela AlmpaBBDO, agência que assina a ideia.

Algo que me desmotiva muito em relação à comunicação é que grande parte das empresas não estão dispostas a questionar as mensagens, mas sim se utilizar do que existe pra levar adiante as necessidades do mercado.

Pois é...mas me conta: qual sua opinião em relação a isso? Responda esse e-mail pra me contar ;)

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Até breve.