PENPAL: Por que buscamos respostas?
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PENPAL: Por que buscamos respostas?

Junior Medeiros
25 min
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Aqui estou eu fazendo resenha de histórias assustadoras da interwebs de novo.

Nos países estrangeiros com uma língua mais complexa (e a Inglaterra) há muita discussão em definir uma nomenclatura pra esse gênero tão nebuloso que é o Terror, horror, suspense, lenda urbana, literatura gótica, horror cósmico, creepypastas, sei lá. No Estados Unidos não existe taanto essa discussão, porque eles só tem a palavra “horror” pra definir horror e terror.

Durante a independência da colonização Inglesa, muitos dos termos se simplificaram pra linguagem norte americana, daí que como “horror” define horror e terror, “battery” define bateria e pilha, “turkey” significa Turquia e peru, “close” fechar e perto, por aí vai...

Voltando pros países não imperialistas...

Apesar de aparentemente vago, as definições sobre o gênero instigador do medo não são tão vagas assim, e pesquisando, é fácil entender suas categorias e subcategorias. Todas elas podem ser reduzidas à duas definições. A de Stephen King e a de Ann Radcliffe.

Diferente de King, que separa em três, Ann Radcliffe divide esse gênero em duas categorias: Horror e Terror.

Terror expande a alma. Horror a congela.

Dito isso, Penpal: Amigo Por Correspondência; é uma obra de Horror. Não tem expansão da alma, não tem milhares de perguntas para se fazer, não tem uma reflexão sobre a pequenez humana, não termina de forma ambígua, não é sobrenatural, instigante nem inspiradora.

Penpal é só dor. Injustiça, angústia, sofrimento, e a obra deixa claro que todo esforço em procurar propósito ou explicação pro sofrimento é perca de tempo, e te faz perceber, te fazendo buscar exatamente isso, e não entregando nada no final.

Mas apesar de trazer uma visão extremamente pessimista e fatalista da realidade, da pra tirar uma puta reflexão de Penpal sobre como essa busca por propósito da crueldade humana além de inútil, é parte do que a mantém viva. Sobre como a mídia, ao noticiar esses desastres recentes, dando prioridade ao terrorista e não às vítimas, ao criar séries e documentários true crime focados na história do malfeitor, mira na nossa curiosidade (que não é movida por morbidez, mas sim por angústia) e acerta na criação de ícones.

Ícones que podem inspirar pessoas frustradas, pessimistas e mimadas à querer repetir esse tipo de coisa, sob a esperança de virar uma espécie de ícone também.

Já adiantando, não é uma história sobre a perspectiva desse tipo de gente, e nem uma crítica super direcionada à mídia; é um exercício sutil e super responsável sobre a nossa motivação em procurar esse tipo de história. Em procurar respostas.

A melhor palavra que define Penpal é “Impotência”. Impotência diante à necessidade de controle.

E eu já explico o porquê.

Vou tentar fazer isso dando o menos de spoilers possíveis, mas já vou garantindo que não vou conseguir.

Você encontra Penpal de graça na net, mas algumas traduções estão melhores que outras e nenhuma delas tá impecável.
Eu assisti narrado pelo apoia-se do Dossiê do Felipe, mas tem outro canal que traduziu essa história em áudio também (embora eu não recomende a narração dele)

Livro físico "Penpal" sobre mesa de madeira
Livro físico "Penpal" sobre mesa de madeira

Durante a história, a gente tem seis eventos, 6 eventos que coexistem, dos 5 aos 15 anos do menino, mas que estão divididos em capítulos pra representar diferentes medos.

Passos: medo de dormir, medo do escuro, medo de perder a mãe, medo de monstros, medo do medo, medo de tudo.

Balões: Representa melhor o medo da mãe: medo da ingenuidade do filho, medo do improvável, necessidade de proteção; nessa parte mostra o quanto ???? é ingênuo (mas como não seria?) (em nenhum momento é dito seu nome, e isso não é à toa)

Caixas: é um mix de tudo, mas o que mais se sobressai é o medo de ficar sozinho.

Mapas: medo de estranhos, mas direcionado para o alvo errado.

Telas: medo do amor, do romance, das borboletinhas no estômago.

Amigos: Dor, apenas dor.

Já avisando alguns "gatilhos" sobre alguns capítulos. Caixas é muito sensível pra quem tem amor nos bichinhos, principalmente gatos, eu chorei de ódio relendo pra fazer esse texto.

Mapas: sensível pra quem tem alguma questão com Auzheimer e abandono.

Telas: Quem gosta de um romancinho, vai ser pegado com força nesse capítulo; ele consegue descrever perfeitamente o que um jovem abobalhado sente quando está apaixonado; mas uns 3 4 eventos em particular pode causar náuseas ou vertigem se você estiver muito envolvido.

Na verdade, não digo isso como um verdadeiro alerta, porquê até narrando as maiores perversidades do mundo, a história consegue ser sensível. Só quis dizer porque dependendo da pessoa, algum capítulo pode ser mais impactante que outro.

Esses medos não são o tema principal que eu quero abordar aqui, mas são perfeitamente representados. Tudo em Penpal é profundo, responsável e tem umas 27 camadas diferentes.

Eu não tô brincando, não tem uma palavra em vão nessa história. Até mesmo coisas pequenas como a descrição do bairro em que eles moram ou do bosque em que ele se perde são metalinguísticas,

AVISO: Eu vou fazer umas paráfrases aqui e quem não quiser spoiler, que não leia.

“Em um quarto silencioso, se você pressionar sua orelha contra um travesseiro, conseguirá ouvir seus batimentos cardíacos; quando criança, o som rítmico e abafado se parecia com passos leves no carpete” -- São praticamente as primeiras palavras do livro.

Começando, todo medo (todos) é fonte do desconhecido. Nosso cérebro foi programado para identificar padrões, e a história já começa, em seu primeiro evento, com um cérebro infantil, que ainda não conhece e não padronizou quase nada, encontrando um padrão rítmico no batimento do coração, e, na tentativa de padronizar mais ainda, relacionando esse padrão rítmico com outras questões – como passos e monstros debaixo do forro –
O maior equívoco da humanidade: correlacionar coisas que não estão relacionadas; criar preconceitos, que são uma “tapação” de sol com a peneira do medo (do desconhecido) (dizer medo do desconhecido é até redundante)

Saindo do papo do medo, aqui também já aponta outra questão, que vai ser peça chave pro desenvolvimento dos eventos. “Controle”.
Não é à toa que Ansiedade, Toc, e Síndrome do Pânico estão relacionados com a necessidade de controle, e a impotência, em não conseguir controlar, gera impotência e frustração.

Guardem isso de não conseguir controlar.
E guardem o lance de tentar correlacionar coisas que não estão relacionadas.

"Ao redor de nossa pequena casa, havia vários bosques que rodeavam o bairro, onde brincava e explorava durante o dia... mas à noite, ficava um pouco mais sinistro”

O garoto começa correlacionando a geografia do bairro, e mais pra frente, o lance dos passos, com algum evento “sobrenatural”; ele começa aqui a montar na sua cabeça uma atmosfera metafísica e misteriosa de deus(es) e etc; para pouco depois quebrar.

“Isso juntamente ao fato de que nossa casa tinha um grande forro por baixo, que enchiam minha mente com monstros imaginários e situações inevitáveis, que consumiam meus pensamentos quando acordado pelos passos”

Primeira coisa; essa disgrama desse forro. Não vai ser poucos os capítulos em que você vai ouvir falar desse forro debaixo da casa, e pra mim, ele foi cenário de um dos trechos mais agoniantes da história.

Segundo; a atribuição sobrenatural pode ser para aparentemente te confortar, como a maioria faz com religião; ou pra te amedrontar, como a maioria faz com lendas urbanas. Mas são fontes do mesmo comportamento, identificar padrões; não especular nada e ficar em completa desorientação é menos amedrontador do que inventar monstros assustadores; tanto é, que é impossível não o fazer, o cérebro nem deixa. Nem mesmo ateus, nem ninguém está livre do ceticismo.

Aqui a história te faz acreditar que ela é de terror, mas calma.

Terceiro; monstros que estão abaixo da luz, abaixo dos nossos olhos. É uma série de perseguidor, de pedófilo de assa um sino; não tem porque ficar de meias palavras. Parando pra pensar agora, chega ser, de certa forma, sadicamente sarcástica, considerando que no final, o perseguidor paga pro pai enterrar ele com o próprio filho, e faz isso debaixo do nariz dele e ele nem percebe.

Desculpa o spoiler.

Voltando... às vezes acreditamos que esse tipo de “monstro” está muito longe da gente, que está abaixo dos nossos olhos; e o que espanta é perceber o quão perto gente assim está de nós, onde a luz não bate, mas ao mesmo tempo, o quão em baixo do nosso nariz essas pessoas estão.

Já adiantando, e isso também pode ser outro spoiler, um maiorzão, espero q você pule se pretende ler.
O perseguidor do protagonista não é o pai, tio ou familiar dele, não é desse tipo de proximidade que se trata; mas são inúmeras as vezes em que eles se cruzam, e o menino nem percebe; e ninguém percebe.

Mas eu não vou contar quem ele é. Não ainda.

Também com esse lance de “quando a luz não bate” a gente pode correlacionar “a luz” com o “holofote da mídia”

“A única coisa estranha que acontecia era que de vez em quando eu acordava na parte debaixo do beliche, mesmo tendo ido dormir na parte de cima, mas isso não era tão surreal, sendo que às vezes acordava pra mijar ou beber água”

Ele começa te trazendo algo sobrenatural, depois quebrando sua expectativa com uma explicação racional.

“Porém um dia tinha ouvido os passos, mas estava com tanto sono que não liguei, e quando acordei não foi por causa disso ou por um pesadelo... e sim pelo frio”

Pra mais uma vez, instigar o seu senso sobrenatural... o que ele vai desfazer no fim do mesmo capítulo.

Detalhe, não é porquê não existe nenhum sobrenatural que não há coisas sem explicação, ou que instiguem a sua necessidade de resposta. São poucas que estão nesse estilo (fora o tema central) mas estão aí.

Eu sei que falando desse jeito pode parecer que eu tô caçando pelo em ovo, fazendo hiperinterpretação, mas eu não tô. Todos os significados e mensagens que essas frases dão, se completam e realmente correlacionam com todos os temas envolvendo horror, família, controle, frustração etc. Eu sou um pouquinho metodista, e eu consigo ver que todas as metáforas que eu peguei em frases “soltas” (que de solta não tem nada) se encaixam com a visão da obra; e não só isso...

Tudo parece tão em cheio, que me impressiona a impecabilidade de conexão. Diferente de diário de Maria, esse universo é vívido, realista, e cheio de detalhes que puxam em outras partes, mas terminam em si mesmos.

Não tô exagerando; eu me empenhei em caçar defeitos ou furos, e pra não dizer que não tem nenhum, tem uma única parte estranha em “Mapas” onde ele diz:

“(...) quando uma das colegas de trabalho da minha mãe bateu na porta do meu quarto. Seu nome era Samantha, e agora me lembro bem dela, porque eu a pedi em casamento alguns anos depois quando visitando minha mãe no trabalho”

Mano eu não entendi essa porra. Não parece fazer o menor sentido; ela não aparece nenhuma outra vez, e essa é a única menção à “Samantha?” o tempo todo.

Em uma obra que tudo é tão interconectadinha, esse trecho nada a ver me deixou um pouco angustiado; mas talvez seja proposital e eu não peguei

Exceto essa parte, tudo tudo tudo tudo tudo parece ter sido esculpido. Tudo parece ter um significado que acaba nele mesmo.

Olha só.

“ Teve um comentário no ultimo post que me fez lembrar uma coisa da minha infância, que sempre considerei estranha, mas nunca relacionei ao conteúdo das minhas histórias. Agora, sei que é. É engraçado como a memória funciona, né?. Detalhes podem estar lá, presentes na sua cabeça, entretanto todos desalinhados e dispersos, e em seguida, um único pensamento, consegue colocá-los todos de volta quase que instantaneamente.”

Isso é um detalhe na história que tá presente o tempo todo. Toda hora, tem algum referencial entre estar alinhado e desalinhado, sair da linha e botar de volta. Controle...

Em todos os capítulos tem algo assim.

Olha só essa simples descrição do bairro onde eles moram:

“A maioria dos bairros em cidades antigas não foram planejados pensando que a população cresceria exponencialmente e precisaria de lugar pra ser acomodada. O desenho das estradas é, geralmente, só uma resposta aos obstáculos geográficos e à necessidade de conectar pontos de relevância econômica. Uma vez que essas conexões são feitas, novos negócios e estradas apenas se posicionam estrategicamente junto do esqueleto já existente; eventualmente, os ruas esculpidas em terra, são imortalizadas em asfalto, deixando espaço apenas para algumas modificações ou adições, nunca para mudanças drásticas.”

Além de dar precisamente o complexo cenário “ex-marginalizado” funciona precisamente com o lance das “trincheiras” e dos rios. Além de falar um pouco sobre a mente humana, não?

“O bairro da minha infância deve ter sido antigo, acho. Se a menor distância entre dois pontos é uma reta, meu bairro é provavelmente um caracol. As primeiras casas devem ter sido construídas ao redor do rio e, gradualmente, a área habitada cresceu à medida que novas ruas foram adicionados ao mapa original, mas todas essas terminavam abruptamente em algum ponto aleatório – só tinha uma entrada e saída no bairro todo. A maioria dessas “extensões” eram limitadas por uma vala que tanto começava quanto terminavam no rio e pareciam, como eu acabei chamando-as, com trincheiras. Muitas das casas originais tinham quintais enormes, mas alguns terrenos tinham sido divididos, deixando limites cada vez menores entre cada propriedade. Um mapeamento aéreo do bairro daria a impressão de que uma lula gigante morreu no meio do bosque e algum empreendedor aventureiro achou seu corpo, fazendo ruas e rodovias a partir dos tentáculos, só pra, no fim, retirar seus investimentos de lá, deixando só tempo, vontade e desespero de dividir a terra numa tentativa vergonhosa de organizar o lugar sob uma proporção áurea.”

CARACOL: A história escrita em espirais.

Trecho do mangá "Uzumuaki" de Junji Ito. Uma história sobre obsessão
Trecho do mangá "Uzumuaki" de Junji Ito. Uma história sobre obsessão

Penpal é uma linha de eventos espaçados, acontecidos todos meio embolados e juntos (na cabeça do menino) durante uma década, até que enfim ele consiga fazer as conexões entre esses eventos.

Aqui tem um lance meio trauma, onde todas as memórias foram meio que reprimidas, e nisso, a gente se questiona se ele era só tapado mesmo, ou estava tentando não ver.

Mas ele realmente não via, ele realmente não sabia até descobrir, e parte da história, faz questão de dizer que tudo poderia ter sido talvez, evitado, com uma conversa.

Os capítulos em geral não seguem uma ordem certinha linear, um evento acontece no meio do outro, entre uma desgraça e outra de algum capítulo, o começo de algumas coisas dos outros já aconteceram...

Tipo, ele vai pra trás, pra frente e pra trás.

Exemplo: na primeira história; passos; o clímax que encerra o evento como “traumático” aconteceu quando ele tinha 6 anos.

Na segunda, balões; o início do projeto escolar e o capítulo começa a ser narrado de antes de “passos” quando ele tinha cinco; mas só depois do clímax de “passos” é que acontece o clímax de balões.

Nesse sentido, do fim do evento traumático, a história é linear, mas o contexto em que cada história é inserida vive se passando “antes e depois” uma da outra.

Isso é bom porquê a torna meio antológica, se você quiser ver uma depois da outra, você pode, mas eu não recomendo. E é bom porquê é isso que torna possível ser tão bem amarradinha e cheia de detalhes que não se desrespeitam nunca.

Torna mais genuíno a imersão, e te faz por um segundo pensar que tudo que aconteceu em Penpal, realmente aconteceu na vida real. E esse tipo de formato permite a história de se encher de detalhes sem com que te faça notar de longe que aquela “é a parte em que o roteirista tá tentando explicar pra gente a própria história”. Quem é rei de fazer isso é o Nolan, principalmente com A Origem, onde ele praticamente pausa o andamento da história, pra explicar (((com uma lousa))) as brisas científicas dele.

Essa forma de contar histórias faz com que você aprenda mais sobre o universo da história sem perceber que isso tá sendo feito.

Deixa ele menos nebuloso e expansivo, e mais fechado, o que contribui pra sua distância do terror e proximidade com o horror.

E de quebra, faz qualquer detalhezinho ter um impacto de um “mindblowing”

Eu sei que explicando assim parece difícil de entender, porque é difícil de explicar mesmo; mas acredite, na prática é facinho até pra um disléxico de entender o ritmo.

Não é que nem The Witcher que você tem que assistir com um menu de instruções do lado pra entender em que ordem está.

Na verdade é um tanto quanto fácil de entender tudo; um monte de conceitos complexos são descritas com palavras tão simples que parece fácil.

CONTROLE: Omissão e revelação.

Penpal me controlou o tempo todo, me fez pensar que estava no controle, que estava perto de descobrir algo; tudo isso, enquanto testava minha resistência em ver o quanto de sofrimento eu podia observar calado.

Durante toda a minha leitura, eu vi acontecer as piores coisas possíveis causadas a muita gente por um único alguém e resisti, sob a promessa da resposta de duas perguntas.

Quem? E Por quê?

Enquanto o livro vai te jogando uma série de pistas falsas, colocando muito suspense no meio ele vai testando sua resistência. Começando pequeno e escalando cada vez mais.

Primeiro: Sequestro infantil, depois: perseguição familiar, (envolvendo outra pessoa); depois: tortura animal... e só piora.

No entanto a gente gosta de ver gente se fodendo; e não só gente “do mal”; a gente gosta de ver gente inocente se ferrando também. É da nossa natureza, não tem como fugir; isso nos desafia, e mesmo que não “gostemos” a gente goza da adrenalina.

E essa obra não tá exclusa disso, no entanto, é muito fácil de cair na armadilha de exagerar, e portanto reduzir muito o impacto de cada evento. É muito fácil fazer a gente acabar normalizando essa violência, e tornar só prazeroso... mas enquanto ela inevitavelmente instiga isso em você, ela te faz de certa forma sentir-se incomodado, enjoado, e te lembra do impacto que cada uma daquelas cenas que te impressiona tem na vida do objeto que a sofre. Ela faz tudo de forma muito humanizada, ao ponto em que essas coisas não sejam prazerosas (como de fato não são) (um exemplo muito bom de uma obra que faz bem parecido é The Last Of Us)

Você sente o impacto real da coisa, porque ela é responsável sensível e imersiva em cada uma delas. E o pior, sem perder essa característica, Penpal consegue ser sarcástica. É como se ela tirasse uma com a cara de todo mundo que tá sofrendo, mas você não acha graça.

Não que o livro não seja engraçado. Ele sabe quando te fazer arrancar uns -- rsrs hum... -- para depois, lentamente te jogar lá em baixo de novo.

Nisso, ela lembra bastante os filmes do Jordan Peele, (e melhor que todos eles, o episódio Teddy Perkins, de Atlanta) mas esses são mais intensos. Teddy Perkins por exemplo, consegue te arrancar altas risadas em um momento específico lá, e depois te colocar de volta em tensão extrema em pouco tempo). Em Penpal são só alguns momentos, e são poucos.

Mas todos eles estão relacionados

a)A superproteção da mãe que nunca funciona. Ou b) Os momentos legais do protagonista com o Verônica, c) Os momentos legais do protagonista com o Josh.

Eu vou falar primeiro sobre a) que julgo ser uma das partes mais importantes dessa obra.

Conforme a obra vai passando, a gente vai vendo a mãe dele colocar umas restrições esquisitas e o protagonista falar o quanto não as entendia na época, mas agora entende.

A parte mais engraçada, e sobretudo, sarcasticamente dramática da história é o trecho:

“Ela (mãe do narrador) me olhou bem no fundo dos meus olhos enquanto fechava a porta e disse:
NÃO SAIA DAQUI.
Essa era a nossa chance”

E depois eles saem de casa pra brincar no bosque e acontece uma das maiores atrocidades que pode acontecer.

Constantemente a gente vai vendo como a mãe do carinha sabia de tudo e privava dele tantas informações. Impunha tantas restrições. Prezava tanto pelo mantimento da sua inocência, e a gente vê tudo dando dando errado, não apesar disso, mas por conta disso.

Uma das coisas que dá agonia em Penpal é ver essas crianças se colocando em situações absurdas e brincando com o perigo. Durante diversas vezes, muitos personagens dão de cara com o nêmese deles, e o que mais dá agonia também, é saber que em todas as vezes que não “aconteceu nada” só não aconteceu porque ele não quis.

Assim como “quem quer trai” a criança que quiser desobedecer a mãe, VAI DESOBEDECER. Nenhuma restrição parental é feita à toa, os pais tem os seus motivos, mas ter os motivos não basta. Daí que por mais que todo mundo tenha receio de ter esse tipo de comportamento, o melhor jeito de se criar uma criança é “falando sobre tudo”. Mas como um pai vai fazer isso, se não fizeram com ele antes?

Pois é, é um ciclo.

O garoto fica muito irritado com a mãe, e por um tempo, até nos conforta saber que teria uma solução, um jeito de evitar.

Mas nos detalhes, a obra te faz pensar que não tem.

Assim como quem quer trai, e quem quer desobedecer os pais desobedece, quem quiser arruinar a vida de uma pessoa, uma não, de várias, vai fazer. Então talvez se eles tivessem tido uma criação mais aberta, mais franca e liberal... talvez teria acontecido a mesma coisa. Mas não podemos supor o que não aconteceu, e sim, só identificar os problemas que ocorreram, e essa superproteção da mãe, essa tentativa de controle mesmo que bem intencionada, foi parte do problema causador.

Essa dinâmica da mãe esconder segredos gera umas cenas escabrosas, do tipo, o perseguidor se sentar AO LADO DELE durante uma sessão de cinema inteira.

E não fazer nada. Porque não quis.

Não com ele...

POR QUE ELE NÃO TEM NOME?

Como eu disse, parece que tudo aqui foi planejado, ou deu muita sorte de cair tão perfeitamente.

A resposta para essa pergunta é simples.
Porque ele não é a maior vítima do seu perseguidor.

Ou melhor... é.

É e não é.

Seja lá quem esse cara for (e aqui eu ainda estava louco por uma resposta) ele fazia questão de poupar (do sofrimento) e torturar (ele com culpa) durante todo o processo.

Como assim?

Ele também meio que “superprotegia” o garoto. Ele era ciumento e possessivo, e na cabeça dele, talvez o que ele faça esteja até certo...

Ou seja justificável.

Todo mundo que se aproxima do garoto, exceto sua mãe, morre ou sofre, em simples palavras.

Ele fica próximo do gatinho, Box; e um monte de outros gatinhos morrem, e box é deixado pra morrer; ele consegue uma crushzinha, e o cara além de matar e torturar a coitada, se passa por ela por semanas; ele invade a casa de uma velha esquecida e solitária, viúva do marido e abandonada pelos filhos, só porque ela se aproximou dele, faz a coitada acreditar que o seu marido falecido voltou, só pra fazer picadinho da veia.

E o Josh... essa é a parte mais sensível.

Ainda falando sobre as superproteções da mãe; em um momento eles se mudam de casa, quando a mãe percebe que o doidão sabe o endereço deles. Mas não conta pro filho. Em vez disso, diz que “os novos donos ficariam bravos” “e eles não podiam voltar lá sob hipótese alguma”

Numa noite, o garoto convence Josh a desobedecer tanto os seus pais (mãe) quanto os deles; só pra fazer as suas vontades.

Ok... era pra recuperar o gatinho. Mas não muda que os dois se meteram em uma tortura psicológica “dramatiquíssima” feita pelo não-sei-quem, por culpa dele.

Ele é com seu amigo Josh aquele tipo de amigo que só te mete em problemas, e que parece mais te usar do que se importar com você; dadas as devidas proporções, claro; mas é.

Esse evento em particular é o que afasta eles dois; os dois amigos se afastam “por culpa dele”; e mesmo assim, perto do finalzinho, Josh meio que resolve perdoar tudo e tem uma ideia genial para recuperar a amizade deles.

Mas quando chega pertinho...

Vamos dizer que quando os pais de Josh ficam sem Josh e Verônica (seus dois filhos) eles entram num poço.

A mulher vagueia 24h pela rua atrás de seus filhos. Desmaia e se perde pela cidade. O pai perde o emprego pra cuidar da mulher e começa a aceitar uns bicos de merda; enquanto ainda sofre por eles e por ela.

As cenas da mulher perdida vagueando de madrugada gritando pelos filhos, sem comer sem nada, é arrasadora.

Meio que todo mundo sofre “por culpa dele”. Não que seja culpa dele, mas ele sente que é. E por mais que ele seja o único dessa história que ainda vai poder viver uma vida ok, é só ele quem ficou com todo o peso na consciência, os traumas e a culpa.

A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR...

QUEM fez isso e POR QUÊ?

A RESPOSTA:

Não importa.

E ele te responde isso mostrando exatamente quem foi e porquê ele fez o que fez.
Bem menos o porquê, mas responde.

Ele te mostra quem foi, mostra o gordão trem bala que atormentou durante uma década a vida do protagonista. E como ele faz isso?

Com ele sorrindo.

Na ausência e carência de ficar junto para sempre do garoto, ele ( um homem comum) troca a cor do cabelo e as roupas de Josh pra ficar iguais às dele e se enterra (ou melhor, faz o pai enterrar) abraçado dele.

“Sua expressão, congelada, parecia até serena. Os cantos dos lábios estavam levemente virados. Sorrindo. Não o sorriso que se espera de um maníaco num filme de terror; nem de um demônio. Era um sorriso de satisfação. De alegria. De amor.”

E de certa forma, tem um tanto de amor, e até de desapego racional nisso. De tanto tentar, obsessivamente, ter o garoto só para ele, aquele stalker viu que não podia ter alguém que era dele. Em vista desse descontrole, (até mesmo do carrasco) dessa impotência, ele fez o que tava ao seu alcance. E pegou outra criança, mas a modificou para Josh parecer ele.

Você pode até argumentar que o homem tem uma percepção doentia de mundo, que ele era maluco. E era mesmo. Mas e daí?

Naquele momento, eu entendi tudo que envolvia a psicologia do homenzarrão, claro, não sei seu nome, sua história, mas sei sua aparência. De certa forma, entendi “quem ele era” e o “porque” fez o que fez.

E diante disso, me vi insatisfeito. Não só insatisfeito, como frustrado.
Mas por quê?

Porque a resposta que eu estava procurando não era quem era e o carrasco e porque ele fez o que fez. Eu estava procurando o porquê de tanto sofrimento...

E eu não tive resposta, além da resposta de que não há resposta. Não tinha um propósito maior, não tinha um alvo pra apontar, não tinha ninguém pra culpar, eu não tive nem o direito de sentir ódio do “vilão” já que ele era tão mentalmente insano, que não dava pra culpar, nem curar sua maleficência. Não dava para ter uma visão maniqueísta de bem x mal, ao ponto que desse pra mirar no mal e atirar nele.

E mesmo que desse, não mudaria os fatos.

E é por isso que ficamos fascinados por documentários true crime de serial killers, é por isso que assistimos série de Dahmer, é por isso que nos vimos fascinados pelo Coringa, (que é uma figura que desafia os limites da psicologia e psiquiatria, uma vez que, quando consegue uma, enlouquece ela) (que personifica o mal que não dá pra ser detido)

Parte dessa cultura se manifesta nas fantasias e cosplays. Seja motivado por ode, crítica, ou só valorização do figurino
Parte dessa cultura se manifesta nas fantasias e cosplays. Seja motivado por ode, crítica, ou só valorização do figurino

Mas fatalmente, é dar continuidade a essas obras, que dá continuidade à transformação de ícones. Ícones que quando frustrados e impotente, assim como a gente, extrapolam os limites.

A resposta pra: Porquê existe tanto sofrimento é: Porquê sim.

Ou se nem esse porquê existe e seja outro, não importa, porquê ele acontece do mesmo jeito.

Mas não existe. Nem todos os males vem pro bem. Não tem propósito. Inclusive não tem propósito maior, já que intencionalidade é uma coisa de nossa espécie. Não tem como algo anterior à gente se limitar aos nossos valores humanos.

Quando se trata de surgimento do universo, por exemplo, a resposta certa a se fazer é “como” e não “´porquê”

Ou no mínimo não tem como provar. Qualquer crença é uma tentativa desesperada de tapar o sol com a peneira.
Mas não tem como fugir disso. Não completamente. É assim que nossa mente funciona.

Porque é assim que a vida é. Sofrida.

Termino com uma das frases citadas no último capítulo do livro:

“Nossas mentes trabalham para evitar divergências. Procuramos manter crenças fortes, afim de não sermos pegos por evidências conflitantes que possam afetar nossa percepção de realidade; até o próximo momento, invariavelmente do que tudo estava indicando, sem se importar que estava sustentando sua sanidade era uma pequena parcela sua que ainda acreditava

Mas pra não terminar só bad vibes, eu no auge da minha ignorância e pequeneza arrisco fazer um conselho sobre esse tanto de desastre que vem acontecendo.

Não gaste suas energias direcionando-as em entender porquê esses maníacos fazem o que fazem (a menos que você seja psicólogo, psiquiatra, antropólogo sla) direcione em acolher e compreender as vítimas desses ocorridos.

E a todos que participem da difusão desses conhecimentos descobertos por psicólogos, psiquiatras etc. (cineastas, escritores, jornalistas, donos de meios de comunicação) o façam sem transformar esses malfeitores em ícones; seja até mesmo na intenção de pintá-los como monstros.

Mas se o fizer, façam com moderação e responsabilidade.

Porque a gente (consumidor) vai assistir, vai ler e vai ir atrás.


Nota final: 11/10

Penpal começou só como uma fanfic de terror escrita em formato de relato falso, mas se tornou o meu livro favorito, e talvez a mídia mais importante para minha vida como escritor de ficção (leia-se contador de lorota)

Recomendo demais.