Capítulo Quatro O QUARTO SEGREDO A BELEZA TRANSFORMA
0
0

Capítulo Quatro O QUARTO SEGREDO A BELEZA TRANSFORMA

Capítulo Quatro

anderson
12 min
0
0

Capítulo Quatro

O QUARTO SEGREDO

A BELEZA TRANSFORMA

A beleza é a eternidade contemplando a si mesma num espelho. Mas tu és

a eternidade e tu és o espelho.

— Khalil Gibran

A beleza pode ser uma das experiências humanas menos compreendidas,

porém é a mais intensa. Desde os primórdios da história conhecida,

estivemos participando de uma longa, estranha e às vezes perigosa dança

com essa força misteriosa. Relatos antigos das nossas tradições mais

veneradas atribuem a queda dos anjos do céu à incapacidade deles de resistir

à beleza das mulheres recém-criadas da nossa espécie, as “filhas do homem”.

Podemos ver na Bíblia que o profeta Enoque, uma das pedras angulares da

primitiva igreja cristã, revela a identidade dos “principais” anjos, líderes de

duzentos outros que não conseguiram resistir à beleza da mulher terrestre.

[23] Com nomes como Samiaza, Ramuel e Turiel, esses “perfeitos” sabiam

que coabitar com mulheres mortais significava violar as regras do cosmos.

Para eles, porém, a experiência sensual que almejavam excedia o risco de

perder a imortalidade. Nas tradições bíblicas posteriores, foi a beleza de uma

mulher, Dalila, que levou ao amor, à confiança, à traição e finalmente à

morte de Sansão, um dos homens mais fortes da Terra.

A História é a história da nossa relação com a beleza: seu poder e fascinação,

as distâncias que percorremos no seu encalço, o nosso anseio de alcançá-la,

as tentativas de apanhá-la e a crença de que podemos de algum modo

dominá-la. No decorrer de todo esse tempo estivemos sendo sempre

pressionados para definir a qualidade mais elusiva da experiência humana.

O que é beleza, exatamente?

O mistério da beleza

A beleza tem significados diferentes para pessoas diferentes. Quando

pedimos que a definam, quase sempre a resposta se baseia na experiência

pessoal — o que ela significa para elas na sua vida. Para um cientista, a

beleza pode apresentar-se na forma de uma solução elegante para uma

equação matemática. Um fotógrafo, por sua vez, pode ver beleza no

surpreendente contraste entre luz e sombras num enquadramento. Albert

Einstein via a beleza como expressão de uma ordem superior na criação,

afirmando, por exemplo, “A música de Mozart é tão pura e bela que a vejo

como um reflexo da beleza interior do universo”.

É evidente que a experiência de cada pessoa com a beleza é singular e única.

Por isso, há tantas definições para a experiência da beleza quantas são as

pessoas que a vivem! Seja qual for a definição que lhe demos — como força,

experiência, qualidade, julgamento ou percepção — o poder da beleza é real.

Na presença dela, nós mudamos. Embora seja evidente que podemos não

saber exatamente o que ela é, também é evidente que podemos aplicar o que

sabemos sobre o poder da beleza para curar o sofrimento, a dor e o medo na

nossa vida.

Se, como as antigas tradições sustentavam, a beleza é uma força em si

mesma, ela talvez seja a mais estranha das forças da natureza.

Diferentemente da gravidade e do eletromagnetismo, que podem existir

conosco ou sem nós, o poder da beleza parece estar dormente até lhe darmos

atenção. Embora ela possa muito bem ter o poder de mudar o mundo, esse

poder está adormecido até que o despertemos. E nós somos os únicos que

podem despertá-lo! Como a única forma de vida com o poder de

experimentar a beleza, ele só é despertado quando o reconhecemos na nossa

vida.

Dessa perspectiva, a beleza é mais do que as coisas agradáveis aos nossos

olhos. Ela é uma experiência do coração, da mente e da alma. A beleza vem

da nossa disposição de ver a perfeição no que em geral chamamos de

“imperfeições” da vida. Embora a traição da confiança, por exemplo, possa

nos decepcionar inicialmente, parte da decepção pode desaparecer quando

consideramos que também nós podemos ter traído outras pessoas, de

maneira diferente, em outros tempos. A “beleza” nesse caso está na

compensação dessas experiências que voltam para nós, às vezes das

maneiras mais imprevisíveis.

Para encontrar a beleza em cada experiência, talvez o nosso papel seja menos

o de criá-la do que o de tomar consciência de que ela já está aí. A beleza está

sempre presente em todas as coisas. Podemos encontrá-la inclusive em

lugares onde acreditamos que ela jamais poderia estar.

Nos momentos em que descemos às profundezas da alma em busca de forças

para dar novo sentido às coisas que mais nos fazem sofrer, descobrimos a

imensa sabedoria transmitida pelos antigos mestres. Essa sabedoria nos

lembra simplesmente de que a capacidade de enxergar a beleza é uma

escolha. A escolha que se nos apresenta em cada momento de cada dia é

ater-nos exclusivamente ao que temos diante de nós no momento, por seus

próprios méritos, sem comparar uma experiência com outra. É assim que

plantamos as sementes na nossa consciência que se tornam os ímãs que

atraem mais beleza para a nossa vida.

Quando comparamos a nossa experiência real com uma ideia do que

acreditamos que a beleza deveria ser, acabamos vendo tudo o que

conseguimos imaginar, menos a beleza do momento.

A tradição dos navajos lembra-nos esse princípio numa frase simples: “A

beleza em que baseias a tua vida”. [24] Criamos, cada um de nós, o nosso

próprio padrão, e com ele mensuramos a beleza na nossa vida. A questão é,

o que você usa como padrão para medir o equilíbrio, o sucesso e o fracasso

na sua vida? Qual é seu termo de comparação para a beleza?

A beleza está onde a colocamos!

No início, era quase imperceptível. Andando com o nosso grupo numa praça

do distrito histórico de Katmandu, eu me habituara com os encontrões e

cotoveladas que sempre acontecem em espaços apinhados. Para acostumar

o corpo às altitudes do Tibete, havíamos programado uma parada de 48 horas

no interior do Nepal, num lugar situado a cerca de 1.200 metros acima do

nível do mar. Além de preparar-nos para o planalto tibetano, isso nos daria

tempo para mergulhar nas tradições em torno de antigos templos hindus. Eu

poderia ter facilmente ignorado o puxão que senti na barra das minhas calças

de algodão. Por ser intencional, porém, dei-lhe atenção.

Olhei instintivamente para baixo, procurando a origem do apelo. Eu não

estava preparado para o que vi. Meus olhos encontraram o olhar intenso de

um homem cujo rosto com barba rala mal passava dos meus joelhos. Ele

parecia ao mesmo tempo intemporal e antigo, enquanto o vento quente

ondulava seus longos e emaranhados fios de cabelo que se misturavam com

os tufos prateados da barba. A cinza branca que tradicionalmente cobre o

corpo de um homem santo hindu grudara na umidade da sua pele, formando

pequenas manchas. Por baixo estava um corpo negro, marcado e deformado,

escurecido ainda mais por anos de exposição ao sol escaldante das alturas.

Precisei de alguns instantes para entender o que os meus olhos viam. Ao

procurar abaixo da cintura o lugar onde as pernas do homem deveriam estar,

tudo o que vi foi a dobra solta de uma tanga suja arrastando no chão. No

lugar das pernas havia um pedaço de tábua com rodinhas presas no lado de

baixo. Encardida por anos de uso, a tábua rolante parecia ser seu único meio

de locomoção.

Assustado, dei um passo para trás. Sem desviar os olhos dos meus, o homem

colocou lentamente as duas mãos no chão, manteve o equilíbrio sobre a

prancha, e empurrou-se habilmente na minha direção. Olhei ao redor para

ver se alguém mais havia percebido o que eu via. Todos à minha volta

pareciam totalmente alheios ao que estava acontecendo ali, ao lado deles!

A visão da pobreza devastadora se tornara comum no decorrer da nossa

viagem, e a primeira coisa que me ocorreu foi que o homem era um

“mendigo” pedindo esmola. O ato de mendigar é um procedimento aceitável

em muitas tradições religiosas para as pessoas que se desvencilharam dos

embaraços de casas, profissões e famílias para se dedicar à oração. Quando

pus a mão no bolso à procura de alguma coisa, o homem se virou e apontou

para o telhado de um antigo templo no lado oposto da praça.

Acompanhando o gesto, vi-me diante da mais bela fachada de madeira de

um antigo templo hindu. Parcialmente escondida atrás de outras construções,

ela era totalmente recoberta com estatuetas intricadamente detalhadas de

milhares de deuses e deusas da tradição hindu. Se o homem coberto de cinzas

não me tivesse mostrado, eu a teria perdido completamente. Como eu soube

mais tarde, ela também guardava um elemento essencial para a compreensão

da fé hinduísta.

Quando eu quis entregar-lhe as cédulas, ele gesticulou com as mãos como

se estivesse espantando uma mosca, acenando para que eu pusesse o

dinheiro de volta no bolso — ele não estava interessado em dinheiro! Vireime por um instante, a tempo de ver o nosso tradutor conduzindo o grupo em

outra direção. Voltando-me novamente, percebi que o homem da prancha

havia desaparecido. Procurando entre a multidão à minha frente, vi-o de

relance no momento em que passava pelas pedras quentes do calçamento e

se perdia entre a massa de turistas. Nunca mais tornei a vê-lo.

Conto essa história para ilustrar um ponto. Como o homem me pareceu

muito diferente, eu fiz um julgamento sobre ele e sobre quem ele era. Do seu

corpo contorcido e desgastado, foi a beleza do seu espírito que sobressaiu

naquele dia. Em vez de uma esmola, ele simplesmente queria partilhar

alguma coisa comigo. Ele me mostrou uma parte do seu mundo que de outra

maneira eu não teria visto, e ao fazer isso deu-me uma lição sobre o meu

julgamento. Demonstrou também que a beleza só se revela quando lhe

damos condições para isso.

É interessante como o universo nos traz lições quando menos as esperamos!

Em geral, parece que elas chegam logo depois de passarmos por

experiências intensas, como a testar-nos para ver se realmente aprendemos!

Foi isso o que aconteceu no Tibete.

Poucos dias depois dessa ocorrência em Katmandu, o nosso ônibus entrou

numa aldeia nas montanhas e estacionou num antigo quartel militar que

havia sido transformado em alojamento para viajantes. Um homem

encurvado, de aspecto envelhecido, subiu no ônibus assim que paramos e

pegou todos nós um tanto de surpresa. Observando-o, podíamos ver

claramente que ele era velho, tinha apenas dois ou três dentes e os olhos

eram fortemente estrábicos. No começo pensamos que poderia ser outro

mendigo das ruas. Mas quando alguém do grupo lhe ofereceu alguns iuanes

chineses (moeda corrente local), ele recusou. Em vez disso, começou a

retirar as malas mais pesadas de dentro do ônibus para nos poupar essa

tarefa.

Quando ele terminou de colocar cuidadosamente a última mala na calçada

diante do alojamento, eu quis dar-lhe uma gratificação. Ele certamente havia

merecido! As nossas malas pareciam ficar maiores e mais pesadas a cada

cidade que visitávamos. Ele recusou novamente. Erguendo os olhos, abriu

um sorriso enorme, virou-se e foi embora. Pronto! Tudo o que ele queria era

que ficássemos satisfeitos com a sua aldeia e aproveitássemos o que ela tinha

a oferecer. Não esperava nada em troca.

A verdadeira surpresa aconteceu quando perguntei ao proprietário do

albergue a respeito do funcionário que fora tão gentil. Ele informou que não

havia empregados para ajudar com as malas. Esse homem era simplesmente

alguém das ruas que casualmente estava na pousada quando chegamos e se

ofereceu para ajudar.

Novamente, a perfeição da beleza interior resplandeceu através das

“imperfeições” desse homem e dos nossos julgamentos. Ele ofereceu um

serviço amoroso, não pedindo nada em troca. Dessa vez, porém, todo o

grupo teve a oportunidade de testemunhar o presente desse anjo no Tibete.

Todos nós tendemos a reconhecer os caprichos da vida de vez em quando,

especialmente nos outros, quando cruzam o nosso caminho. Se por acaso os

vemos quando estamos sozinhos, podemos apenas dar uma olhada, sacudir

os ombros e seguir adiante. Mas se estamos com outras pessoas, podemos

fazer um breve comentário sobre o que vemos para amenizar os sentimentos

embaraçosos sobre as esquisitices de outras pessoas. Então, embora

possamos reconhecer as “imperfeições”, a pergunta é — tendemos a julgar

qualquer coisa que seja menos do que perfeita e menos do que bela?

Certo dia, eu estava parado num semáforo, num carro alugado, numa grande

cidade onde todo tipo, forma e estilo de ser humano que você possa imaginar

passava na rua. Fiquei totalmente cercado por pessoas durante a pequena

eternidade que esperei até o sinal abrir. Nesse tempo, tive minha própria

revisão particular de vida: todos os novos estilos de corte de cabelo, do

coletivo dos anos 1990 ao retrô dos anos 1960; arte corporal e piercing;

ternos executivos; pastas; celulares, e os últimos acessórios para skate.

Quem poderia querer mais diversidade concentrada num único lugar?

Embora todos fossem bastante interessantes, um homem em particular

chamou a minha atenção.

Ele apresentava um distúrbio neuromuscular evidente que lhe dificultava

controlar os braços e as pernas. Vestia um terno executivo, carregando uma

mochila, e parecia estar indo, ou saindo, de um escritório. Enquanto ele

esperava o semáforo abrir, a espera parecia ser tudo o que ele podia fazer

para manter o corpo sob controle e simplesmente ficar no mesmo lugar.

Quando o sinal abriu, ele e todas as pessoas à sua volta cruzaram a rua. Como

não acredito em acasos na vida, aproveitei a oportunidade da passagem desse

homem bem na minha frente para observar-lhe o rosto. Os trejeitos da boca

revelavam o esforço difícil e intencional que precisava fazer para completar

cada passo. Os olhos eram focados e determinados. Para ele, apenas

caminhar já era trabalho, e ele trabalhava duro!

Quando ele desapareceu em meio à multidão no outro lado da rua, um

sentimento de gratidão tomou conta de mim. Procurei imaginar como teria

sido se esse homem não tivesse passado por ali nesse dia. Nesse instante,

senti falta dele. Pensei no que ele me oferecera naqueles poucos segundos,

a coragem que demonstrara com a sua determinação de se expor no mundo.

Pensei como teriam sido vazios esses momentos da minha vida se ele não

tivesse estado lá. Mas ele estivera. E com sua presença, aquele homem

corajoso trouxe beleza ao meu dia. Algumas lágrimas brotaram nos meus

olhos enquanto eu agradecia a presença dele e dizia para mim mesmo, Como

tenho sorte por ter visto esse homem hoje.