ANÁLISE: Auxílio Brasil e Precatórios, ajuda breve, calote perene
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ANÁLISE: Auxílio Brasil e Precatórios, ajuda breve, calote perene

Acossada pelo STF, que vetou o pix dos deputados que iriam receber os valores bilionários do orçamento secreto, a Câmara dos Deputados aprovou, com 328 votos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. A aprovação ocorreu mais...

Salete Rossini
8 min
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Acossada pelo STF, que vetou o pix dos deputados que iriam receber os valores bilionários do orçamento secreto, a Câmara dos Deputados aprovou, com 328 votos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. A aprovação ocorreu mais na garantia dos deputados de receber a grana de uma forma qualquer que drible o cerco do STF do que por alguma empatia com o governo Bolsonaro. O texto aprovado pela Câmara foi enviado para o Senado.

Os precatórios se referem à quitação de dívidas, referendada por sentença judicial, pela União assim condenada, aos Estados autores do processo. Basicamente, o texto da PEC quer mais fôlego e maior número de parcelas para quitar os pagamentos.

Embora tenha obtido essa vitória parcial na Câmara, o governo agora terá que tentar convencer o Senado a aprová-la. Algo mais difícil, pois o Senado, apesar de ter bem menos cabeças do que a Câmara, tem uma ala governista mais exigente, mas também uma oposição bem mais robusta, que teve importante destaque nas descobertas escabrosas feitas pela CPI da C19.

Mas, será que a aprovação dessa proposta dos precatórios é mesmo positiva para o Brasil? A ver a seguir.

Entendendo o apelo governamental - na teoria, claro

Segundo o texto da referida proposta, a União terá mais tempo para poder juntar o montante dos recursos necessários para quitar a dívida com os Estados. Segundo o ministro da Economia Paulo Guedes, o adiamento da quitação disposto no texto da proposta era para evitar um rombo nos estreitados limites da emenda do teto dos gastos públicos, que permite o aumento dos gastos até o limite da inflação do ano anterior. 

Mas, Guedes espertamente voltou atrás e incluiu no seu texto um artigo que coloca os precatórios da União como exceção às regras do teto dos gastos, o que permite o rombo para completar o montante necessário definido pela Justiça, em caso de não tê-lo feito o suficiente  no tempo hábil de tolerância conforme a lei.

Essa dívida independe da parte reversa, isto e, a dívida dos Estados com a União - ainda que seja também bilionária, e passível de se transformar em precatórios se a União reclamar. Essas dividas se relaciona aos mais diversos fatores, de acordo com os dados de cada Secretaria Estadual da Fazenda.

Pontos importantes- Existem dois pontos considerados importantes pelo governo para a aprovação da PEC dos precatórios. São as verbas do Auxílio Brasil (estimado em R$ 400, perto de 50% mais do que o Bolsa Família) e o reajuste salarial dos servidores públicos, após rígido congelamento que se arrasta desde 2016, aumentando a corrosão dos rendimentos pela inflação acumulada.

O Auxílio Brasil é uma proposta do governo Bolsonaro que pretende substituir o Bolsa Família, programa aperfeiçoado pelo primeiro governo Lula para prover famílias que tenham cerca de um quarto do salário mínimo por pessoa, e cujo valor dado a cada família era de R$ 300. Segundo a promessa do governo atual, o Auxílio Brasil promete pagar até R$ 400 para as famílias cadastradas.

Quanto aos servidores públicos, uma classe em progressivo encolhimento devido à ausência quase completa da política de concursos públicos para repor s vagas dos aposentados e da terceirização que agora atinge as atividades-fim de uma instituição, as perdas acumuladas para a inflação são enormes, sendo agravadas no governo atual, cuja política econômica destrutiva realimenta a inflação com ameaça hiperinflacionária.

Reflexões: até onde poderá ir a sessão de calotes

Vale lembrar de que, apesar das promessas, a PEC dos precatórios já ganhou o delicado apelido de PEC do Calote. Apelido esse que, inicialmente, não partiu do povão, mas sim dos bastidores da própria política, que não têm só adeptos dos vícios do Centrão; tem também opositores importantes, inclusive em partidos de aluguel na direita.

Um deles é a deputada Zenaide Maia (Pros-RN), que classifica tal PEC como "um calote à sociedade brasileira", uma "mentira que está sendo contada", segundo fonte do Senado (ver fonte nas referências).

- Na verdade estamos mudando a Constituição para acabar com o Bolsa Família, que nunca teve prazo, nem é auxílio emergencial. Era uma situação social que a gente já não tem mais, assim como não tem o Renda Brasil, como foi proposto originalmente. Estamos assistindo a uma mudança na Constituição para passar um calote nos que apelaram até a última instância para conseguir aquilo a que têm direito por lei.

Explica-se a impressão da deputada. Versão aperfeiçoada do Bolsa Escola criado na era FHC (1995-2002), o Bolsa Família foi uma política proativa de distribuição de renda. Para receber o benefício, os responsáveis deveriam comprovar que seus filhos pequenos estavam matriculados em escolas públicas e vacinação em dia registrada em cartão do SUS, além da renda. Problemas de fiscalização à parte (empresários fraudaram para obter o benefício), o Bolsa Família era voltado para mitigar, mesmo timidamente, a desigualdade socioeconômica (daí o seu caráter perene), com ajuda de programa de crédito financeiro facilitado junto aos bancos.

Através das estratégias de Guedes, em especial a partir de 2020, o governo Bolsonaro reaprofundou as disparidades socioeconômicas, e o Bolsa Família ficou inoperante para esse fim proativo, mas foi importante para as famílias cadastradas enquanto durou. Agora, o governo cria o Auxílio Brasil, como substituto do Bolsa Família e do coronavoucher criado na emergência da C19 do ano passado. E com um detalhe bem amargo: ele está previsto para durar até o fim de 2022. Ou seja, efêmero.

O fato de ser finalizado automaticamente no final de 2022 revela a faceta eleitoreira do Auxílio Brasil. Como se não bastasse, corre o risco de nem ser adotado oficialmente, caso a PEC dos precatórios, da qual o programa depende como já disse o governo, seja reprovado pelo Senado, mesmo se passar pela CCJ, também presidida por um governista. Como podemos ver, o fim do Bolsa Família foi precipitado, e não dá para dizer que não foi intencional.

Antes mesmo de Bolsonaro, foi promulgada por Temer a emenda constitucional n. 55, o Teto dos Gastos públicos, cuja limitação dos gastos aos limites inflacionários vão durar até 2036, afetando basicamente tudo que deveria passar incólume: saúde, educação, C&T (ciência e tecnologia), saneamento (para fins de privatização), segurança pública e meio ambiente. A deputada não mencionou, claro, nem a grande mídia, mas é fácil ver que permanecem intocáveis os vultosos gastos com penduricalhos salariais da elite do funcionalismo (civil e militar) e da classe política.

No governo Bolsonaro, os investimentos públicos nessas áreas tão essenciais caiu ainda mais. Recentemente soubemos que Guedes mandou cortar mais de 90% dos recursos destinados à C&T, e mais de 50% na educação básica e no SUS. O governo Bolsonaro, aliás, conseguiu o mérito de praticamente paralisar os investimentos públicos. Essa paralisia até conseguiu o afastamento de grandes investidores.

Servidores públicos- Recentemente, o presidente Bolsonaro disse à mídia que com o aprove pleno da PEC dos precatórios, os servidores públicos serão  contemplados com um reajuste salarial. "Não é um aumento que eles merecem, mas vou reajustar". Antes da primeira votação da PEC no plenário, o presidente da Câmara Arthur Lira havia dito, em tom de chantagem (ou ameaça?) que "se a PEC não for aprovada, não haverá salários para os servidores públicos".

Para finalizar, não há ainda como saber se a PEC poderá institucionalizar o calote nas mais diversas instâncias públicas, pois, para começar, o texto ainda passará por votação pelo Senado, com direito a mudanças em um ou outro artigo aqui e ali para ajustes. Mas não se descarta a possibilidade de aprove da PEC no Senado, mesmo tendo este uma oposição mais robusta.

Quanto às supostas garantias de verbas para o Auxílio Brasil e o aumento salarial dos servidores públicos, o caráter desse governo nos impede qualquer mensuração prévia no sentido positivo. Ou seja, a PEC pode virar uma EC nova na Constituição, e os benefícios não irem além de palavras perdidas ao sabor do vento e do tempo.

Pois a possibilidade de aumento salarial corre o risco de nunca sair, pelo menos enquanto Bolsonaro for o governante. Principalmente por manter Guedes, um dos seus ministros mais eficientes no quesito política de sadismo destrutivo na tão estratégica área da economia, com direito a dar uma forcinha extra na gestão nazistoide da sindemia de C19. 

E vale, portanto, acrescentar, em linhas mais rápidas, que esse sadismo econômico se estendeu claramente no fim do Bolsa Família para criar outra incerteza chamada Auxílio Brasil. O caráter eleitoreiro deste programa que não sabemos se sairá do papel ou da promessa revelou no fim do Bolsa Família mais do que mero erro primário. Infelizmente, como já podemos perceber, foi intencional.

Referências

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/11/10/para-zenaide-maia-aprovacao-da-pec-dos-precatorios-e-um-calote-na-sociedade

https://www.brasildefato.com.br/2021/10/30/calote-pec-dos-precatorios-afeta-pagamento-de-professores-da-rede-publica

https://www.conjur.com.br/2021-ago-27/torre-pec-precatorios-tentativa-calote