Entrevista com o Coronavírus - Ômicron e Flurona
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Entrevista com o Coronavírus - Ômicron e Flurona

O repórter Jota virou uma referência valorizada nas redes sociais. Está satisfeito por ter tido um 2021 positivo, mesmo lamentando maus eventos vividos pelo Brasil por vários motivos, e o novo surto de C19 com síndrome gripal. Após as férias ...

Salete Rossini
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O repórter Jota virou uma referência valorizada nas redes sociais. Está satisfeito por ter tido um 2021 positivo, mesmo lamentando maus eventos vividos pelo Brasil por vários motivos, e o novo surto de C19 com síndrome gripal. Após as férias de dezembro, ele retoma o batente já recebendo ordem da chefia para... entrevistar o Coronavírus. Sorriu.

Ágil no seu notebook bem moderno, logo entrou em contato com o Corona em plataforma on-line.

- Enfim estamos no novo ano, Jota. Fico feliz que tenha passado bem, e cuidado da natureza e da saúde nas suas férias.

- Obrigado. - pausa; limpou a garanta para começar: - Bem, o tema da primeira entrevista de 2022 é a disseminação do Ômicron, sua mais nova variante, pelo mundo. O que o senhor pode nos dizer sobre ela?

- Historicamente, cientistas sul-africanos descobriram a Ômicron em sequenciamento genético em amostras isoladas de positivados com sintomas gripais em meados de 2021. Antes, houve situação idêntica na Holanda, mas aparentemente sem identificação. Como falaram, essa variante tem poder de mutação e transmissibilidade recordes, que ainda estão sob atenção quanto aos seus potenciais. Já a sua origem específica é muito especulada, mas não interessante, pois ao ser identificada, cientistas já desconfiavam de já haver uma ampla disseminação.

- Por  que, para o senhor, a origem específica da Ômicron e outras variantes não interessa? 

- Como falei, sempre há uma desconfiança imediata dos cientistas sobre disseminação ampla quando nova variante virótica é descoberta, e depois, anunciada à comunidade científica. A Ômicron é um exemplo claro de espalhe intercontinental prévio quando foi anunciada em cadeia aberta de informação pública. A sua descoberta na África do Sul não significa que sua origem foi lá, e sim o local onde primeiramente foi rastreada, confirmada a sua existência e batizada, para diferenciar das demais já conhecidas. Politicamente já vimos que definir uma origem gera conspirações ruins. Que o diga a China.

- Além de ser relacionada a sintomas gripais, a Ômicron aparenta ser menos letal do que outras como a Delta e as brasileiras Gama e Beta, por exemplo.

- Tenho notado publicações midiáticas assim, com afirmações sem considerar a amplitude de contextos locais. Quando a Delta passou a dominar no Rio de Janeiro, as mortes oficiais atribuídas a ela foram menores do que as das variantes brasileiras, ligadas aos picos de janeiro a abril do ano passado. Na mesma época, a Delta matou muito na Rússia e na Índia. A mortalidade aumentou na Europa agora dominada pela Ômicron. No Brasil se vê a perigosa negação política que obscurece a confiança estatística. Enfim, é difícil saber qual é mais ou menos letal.

-O senhor. fez menção a sintomas gripais. E, coincidência ou não, aqui no Brasil se divulgou sobre a presença de um vírus Influenza que causa sintomas confundíveis com C19.

- Na medicina, um sintoma-chave, ou um grupo deles, ainda é crucial para suposição de um diagnóstico preliminar, a ser confirmado ou negado em exames específicos. A gripe de agora está sendo chamada de Gripe A, que a patuleia fala ao querer sensacionalizar a relação com a gripe de sintomas mais fortes que lembram a C19. Jota, agora pergunto ao senhor: até onde sabe sobre esse tema?

- Sinceramente, confesso não conhecer praticamente nada, só o básico.

- Essa 'gripe A' se atribui a vírus da subfamília Influenza A da superclasse Influenza. Ela agrega vírus HN humanos como H1N1, H2N1 e H3N2, e outros não humanos, de síndromes respiratórias. No Rio de Janeiro, a variante H3N2 teria causado mortalidade preocupante similar à da C19 em crianças e idosos, que parecem ser seus grupos de risco, pois não foi confirmada ainda relação com comorbidades. A pandemia de gripe espanhola que matou dezenas de milhões entre 1918 e 1921 foi causada por um H1N1.

- Por que se relaciona comorbidades como problemas cardiovasculares, doença renal crônica, hipertensão, diabetes e outras condições à C19, mas até hoje não à gripe comum?

- O principal fator a contribuir nessa diferenciação é a natureza da doença. A gripe é doença respiratória epidêmica por muitos séculos na Eurásia e tornada pandêmica pela colonização. Ela é pandêmica há séculos, tempo suficiente para vocês terem certa memória imunológica. A C19 é uma patogenia vascular de transmissão principalmente respiratória. Essa natureza vascular dá ao vírus capacidade de atacar qualquer órgão humano, preferindo os doentes. Como você vê, natureza pura. 

- Nesse contexto entra a flurona, que designa a soma de duas infecções em mesmo paciente. Como o senhor analisa esse fato?

- Estou sabendo disso. Esse termo é a junção de parte do nome Influenza e parte do meu. É uma descoberta nova para confirmação pela ciência, significando que a sua ocorrência é bem mais antiga ou comum do que se pensa a princípio. A desconfiança sobre a flurona já existia, o que pode estar por trás do protocolo de se considerar toda situação gripal como suspeita de C19, e daí, se recomendar teste PCR duplo, sendo um para C19 e outro para gripe, dispensa do trabalho e isolamento social. Mas, só agora se confirma a sua ocorrência.

- Não há como defini-la como uma doença específica?

- Tanto eu quanto os cientistas vemos a flurona basicamente como infecção. E infecção não é patologia em si, é a ocupação do organismo do hospedeiro pelo patógeno. Nós e os Influenza somos duas classes distintas, ainda que, quando vistos na microscopia eletrônica, sejamos parecidos, gerando confusão nos leigos que veem nossas micrografias (fotografias de microscópio), e ainda não misturamos nossos materiais. Pode ser que a flurona possa ser identificada como doença a partir do momento que as autoridades determinarem a partir dos exames comprobatórios da dupla infecção.

- Mas, no contexto brasileiro, onde há uma forte onda gripal e novamente aumentam os casos de C19, por que ainda os casos de flurona são tão poucos?

- Considero o contexto brasileiro bastante complexo, visto que vocês estão dominados por um ar de forte politização da C19 e agora da própria gripe. Essa politização tem atuado de forma muito negativa, desinvestindo na pesquisa científica e tecnológica e na educação de modo geral. Na saúde pública é ainda pior. E, como a politização tende a causar alarmismo popular ou, pior, a negativismo relativo à existência de infecções ou doenças tidas como novas, percebo que médicos e pesquisadores brasileiros em maioria agem com cautela , com seriedade no trato com os problemas de saúde pública de mega alcance epidêmico. E, claro, por questão de investigação científica séria mesmo. A ciência leva tempo e é cuidadosa, aos poucos vocês chegarão lá.

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ROSSINI, Salete. Entrevista com o Coronavírus - Ômicron e Flurona. In: ______. Cenas da vida urbana, janeiro de 2022. (primeira do ano!).